Após meu´último texto sobre o espetáculo de Ivaldo Bertazzo (O Corpo Vivo - Carrossel das Espécies), resolvi reler "A Dimensão e o Significado do Corpo no Psicodrama" de Alfredo Naffah Neto - (Editora Agora - 1990). Por sua profundidade, capacidade de fundamentação filosófica e clareza em informar, sem dúvida esse é um dos livros que considero como indispensável para qualquer estudante de psicodrama. Naffah descreve a forma como o psicodrama dimensiona a existência humana: "um grande drama representado por múltiplos atores e cujo enredo lhes é, via de regra, inconsciente." Moreno dizia que: "isso se assemelha a uma peça teatral, onde o diretor escolheu um cenário, um figurino e uma série de cenas brilhantes e sedutoras, representadas por tipos, heróis, máscaras e diálogos sobre a eternidade, a fim de distrair o nosso espírito dos acontecimentos da terra. E assim funcionam milhões de grupos sociais, famílias, escolas, fábricas, igrejas,, nações, etc." Compara esse movimento a uma "sina" que compromete a existência humana a esse entrecruzamento de grupos sociais. A partir dai, descreve-o como um "ser-em-relação" e como um "ser-no-mundo", recuperando o movimento existencialista de Heidegger.
Pois bem, a visão terapêutica desse movimento procura facilitar para que esses "atores inconscientes", possam descobrir-se como parte do drama, cuja autoria não participaram mas no qual vivem lançados pelo simples fato de existirem - desde o início - no interior das instituições humanas. Drama que se repete por gerações e cuja matriz pode ser encontrada num certo tipo de estrutura sócio-econômica e política, da qual a família se faz representante primeira. O grande palco utilizado por esses "atores inconscientes", é o corpo.. A constituição, transformação e até mesmo a perda desse corpo, se dá através de um processo histórico, descrito por Moreno quando fala sobre o desenvolvimento infantil, como fases da Matriz de Identidade.
Moreno chamou de "corpo-disperso" o corpo do recém-nascido, que ainda está formando o seu "eu". A identidade da criança com o mundo que a rodeia, ainda é total. Não consegue se distinguir da mãe e nem dos objetos que entra em contato. Ainda não percebe seu próprio corpo como sua própria identidade. Concentra-se em ações momentâneas como: mamar, urinar e defecar, existindo tão somente (o corpo) como função fisiológica, ou "papel psicossomático". Este tipo de vivência pela criança, proporciona um "extase existencial". A partir dessas vivências, passa a identificar determinadas zonas corporais e o momento em que entram em funcionamento. Nessa fase o corpo vivido é um "corpo-parcial", sem unidade no tempo e no espaço. Somente após a maturação do sistema nervoso e do reconhecimento que receberá das pessoas que a rodeiam, é que a criança começará, aos poucos, a unificar essas vivências parciais e momentâneas, conquistando uma vivência unitária do próprio corpo. O reconhecimento da criança enquanto um ser singular, está diretamente relacionado a constituição de sua identidade, ou da capacidade da criança em se reconhecer como um "corpo singular", que é capaz de expressar seus próprios anseios e desejos. Nessa fase, embora a criança ainda esteja vivenciando seus momentos de "corpo-disperso e corpo-singular" enquanto papel psicossomático, ela já possui um papel social: o papel de filho, no qual foi lançada desde o primeiro momento de vida, mesmo sem saber. Neste momento da existência da criança, seu destino está atrelado às maiores ou menores possibilidades de sua família. E a transformação e maturação desse corpo, também está diretamente associada aos resultados desse período.
Em minnha próxima postagem continuo com as fases de desenvolvimento.
Querido Mane,
ResponderExcluirPor favor, nao repare nos erros de portugues!
Esta descrevendo como a identidade desenvolve. Mas, o que eu quero entender melhor e como a identidade desenrole.
Os momentos de clareza e paz mais profundas se apresentam quando a identidade esta 'ausente' ... ou pelo menos em segundo lugar.
Na minha experiencia pessoal, o processo de desenvolver auto-consciencia sobre os papeis nao esta me libertando da identidade --- esta me dando a chance de criar papeis novos --- sem duvida esses papeis sao mais bonitos/sutieis/agradaveis etc. mas mesmo assim continuo um ator ... eu acho que e isso que faz a gente sofrer. Todos queremos ser verdadeiros, nao e?
Um beijo para cada bolso,
Laura
Salve Mané!
ResponderExcluirachei muito importante ressaltar o aspecto histórico da constituiçäo do indivíduo. Somente pensando assim, podemos encarar que estamos em constante *relaçäo* com as condiçöes histórico-ambientais. E entäo é que vivemos a maravilha de sermos criadores da realidade!
Um abraço grande