sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Insônia Crônica 2 - Automedicar-se não é eficiente!


Recebi duas perguntas na publicação anterior (insônia crônica 1), sobre o uso e eficiência de medicamentos para a insônia. Foram questões muito pertinentes que acredito que serão respondidas através desse texto. O tratamento de insônia deve primeiro ser bem diagnosticado por um médico especializado no sono, e somente depois é possível se determinar a opção mais adequada de tratamento a ser seguida. Como já foi dito antes, muitas vezes o médico precisa realizar um diagnóstico diferencial para investigar com maior precisão suas causas e consequências. Problemas psiquiátricos como: depressão, ansiedade e distúrbios do humor, podem estar influenciando, diretamente no sono. Outros distúrbios do sono como apnéia, alterações do ritmo circadiano, SPI (síndrome das pernas inquietas) e parassonias (sonambulismo, bruxismo, etc), podem estar presentes, sendo "mascarados" pela sensação de insônia. Questões ambientais e comportamentais como: má higiene do sono, hábitos sociais incompatíveis e má qualidade de vida, são fatores que também podem estar influenciando decisivamente. Todos esses fatores se misturam dinamicamente e tornam muito complicados, não só o diagnóstico e o tratamento, mas também a própria percepção que o insone tem do seu problema. Imagino que essa "confusão" e percepções distorcidas, associadas ao hábito sócio-cultural da automedicação, sejam os fatores que mais pesam sobre os altos custos sociais e econômicos que dissemos anteriormente. Por essa razão, considero útil afirmar que a auto-medicação é uma prática perigosa e quase sempre, pouco eficiente. Um bom exemplo do perigo da auto-medicação: Se uma pessoa ronca muito ou tem apnéia e não sabe disso por nunca ter feito uma avaliação ampla com um especialista, pode estar cometendo um grave erro ao ingerir "calmantes para dormir". Alem de continuar acordando durante a noite, isso irá piorar o seu quadro de apnéia, pondo o sujeito em grande risco. Pessoas que sofrem de distúrbios psiquiátricos como depressão, ansiedade, etc, precisam ter sob rigoroso controle as dosagens de medicações que devem faser uso, sob risco de não resolver adequadamente seus problemas originais, alem da própria insônia. Somente um médico especialista pode fazer essa avaliação de maneira correta e segura e, se for o caso, prescrever a medicação e a dosagem adequadas.

São muitos os fatores que devem ser levados em conta para que uma avaliação seja feita de maneira ampla e segura. O histórico médico individual do insone associado ao seu modo de vida, deve ser levado em consideração quando se avalia corretamente a insônia e seus sintomas. Existem pessoas que possuem uma "propenção fisiológica" para a insônia. Isso sugere que a insônia possa estar associada ao fato de que o indivíduo que sofre de insônia, tenha uma "propensão" para despertar "antes" do período preferido de sono. As pessoas que possuem essa "propenção" por exemplo, são mais sensíveis a ingestão de cafeína em excesso. Para elas, tomar um cafezinho após as 18:00 pode ser decisivo para que não consigam dormir a noite. Outros comportamentos noturnos como: comer em demasia, assistir TV no quarto, ouvir música na cama, etc, também produzem um efeito devastador no sono dessas pessoas. O mais interessante, é que normalmente o insone não sabe que tem essa "propensão" fisiológica. E por essa razão passa a considerar que a sua falta de sono precise do uso incondicional de alguma medicação. Não necessariamente, isso é verdade.

Quase sempre essa propensão é combinada com uma característica emocional, marcada pela "ruminação e preocupação" em excesso, que acaba por reforçar o quadro de insônia. Os especialistas chamam esse tipo de insônia de "insônia cognitiva". A insônia cognitiva precisa de três fatores determinantes para se instalar: 1) Fator de predisposição: indivíduos dados a ruminar e se preocupar são mais sensíveis aos episódios estressores da vida; 2) Fator de precipitação: problemas e dificuldades que a vida traz em determinados momentos, que induzem a pessoa ao estado de "alerta" contínuo (chamado de "hiperalerta" pelos especialistas), que acaba levando o sujeito ao despertar somático; 3) Fator de perpetuação: a pessoa passa a se preocupar excessivamente com o "dia seguinte" e com sua dificuldade em dormir, pasando a ter crenças e comportamentos disfuncionais (disfuncionais para com o sono...), criando um ciclo vicioso que piora cada vez mais esse quadro. Estar em alerta permanentemente, alem de muito desgastante, produz uma "atenção seletiva" permanente (uma atenção voltada para a preocupação constante). Como consequência passa a ter uma percepção distorcida da realidade. Sem ter controle direto sobre isso (esses episódios ocorrem sem que a pessoa tenha controle ou consiga fazê-los parar), a pessoa passa a monitorar o ambiente sempre a procura de "sinais ameaçadores" (barulhos, relógio, ruídos, etc). Me lembro de uma paciente muito divertida, que dizia "odiar" os sabiás por eles cantarem por volta das 3:00 da manhã, impedindo-a de conseguir dormir. A busca incessante por "sinais ameaçadores", também é dirigida para o próprio corpo do insone (sensações corporais, temperatura, etc). Já ouvi relatos de um paciente que ficou aterrorizado com "os barulhos" de sua barriga, durante a noite. Com tudo isso ocorrendo, a hora de dormir passa a ser enxergada como "a hora do calvário", porque o sujeito já inicia o seu processo de "ruminação" e de preocupação com o seu próprio sono, na medida em que o horário de ir para a cama vai se aproximando. Para fugir desse sofrimento e dessa angústia, passa a incorporar outras atividades como forma de "passar o tempo" de falta de sono. São hábitos e atividades normalmente incompatíveis com o sono que o insone pratica na própria cama: assistir TV, ouvir música, falar no telefone, trabalhar no computador, comer, etc. Essas atividades fazem com que a angústia do insone melhore, mas prejudicam em muito a possibilidade de haver um sono restaurador.

Como no dia seguinte o cansaço e a sensação de sonolência são inevitáveis, o sujeito passa a evitar tarefas e relações que lhe exijam muito esforço, por absoluto cansaço e falta de energia. Os nervos ficam "à flôr da pele" e a sensação de que a vida fica mais "sofrida", são aumentadados exageradamente. O insone passa a ter a crença de que não é compreendido pelas outras pessoas, aumentando a auto-comiseração e a sensação de impotência frente aos problemas da vida. Sua auto-estima diminui sensivelmente e esse é um bom exemplo da "visão distorcida da realidade", que mencionamos acima. Esse processo passa a ocorrer na forma de um ciclo vicioso e com o passar do tempo, a pessoa acometida por insônia não sabe mais diferenciar o que está acontecendo consigo. Os hábitos adquiridos como forma de defesa contra a angústia da falta de sono, são introjetados e cristalizados, transformando-se em rituais quase que imutáveis. O insone passa a ter a ilusão de que não consegue mais viver sem eles. Em outras palavras, o insone "desaprendeu" (no próximo texto essa expressão poderá ser melhor compreendida) que o sono é simplesmente o ato de ir para a cama e dormir.

Em resumo, dissemos que a insônia tem origem multifatorial (várias causas), e que seu diagnóstico precisa de uma avaliação ampla e segura, que deve ser realizada por um médico especializado no sono. Suas causas podem estar atreladas a três fatores que se combinam: 1) fatores de predisposição (propenção fisiológica que reforça o traço de "hiperalerta", fatores psicológicos que reforçam a tendência do sujeito em "ruminar" e se preocupar em demasia com os problemas da vida, e sociais onde o indivíduo desenvolve hábitos e modos de vida incompatíveis com uma boa noite de sono); 2) fatores de precipitação (eventos estressantes que fazem parte da vida de qualquer pessoa, que para o insone tem um efeito devastador); e 3) fatores de perpetuação (comportamerntos que o insone desenvolve para compensar sua angústia e sua falta de sono - a prática de ficar acordado na cama, lendo, assistindo TV, ouvindo música ou qualquer outra atividade incompatível com o sono).

A auto-medicação é um grande equívoco por muitas vezes não produzir o efeito esperado, e também por ser uma prática perigosa. As terapias que mais tem produzido efeitos positivos no tratamento da insônia, são a combinação entre os tratamentos farmacológico e psicológico. A clínica "interdisciplinar" procura tornar as pessoas "menos dependentes" de medicações, sempre que possível, por ser uma prática mais saudável. Em minha próxima postagem pretendo falar com maior profundidade sobre o tratamento psicológico da insônia.

4 comentários:

  1. Gostei muito do texto e achei muito esclarecedor! Mas gostaria de saber mais sobre o tratamento psicológico. Um médico receita remédios e rapidamente eu resolvo meu problema. O que um psicólogo faz? Pq demora tanto um tratamento com terapia? O que e feito com quem tem Insonia?

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  2. Já fiz terapia por causa da minha Insonia e foi muito bom. Muitas coisas ficaram mais esclarecidas na minha vida e foi ótimo, mas acabava falando menos da insonia e mais de outras coisas. Gostaria de saber mais sobre a terapia específica para Insonia.

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  3. Por que Rivotril fazia efeito e hoje não resolve mais? Não se trata de automedicacao!!

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  4. Parabéns pelo texto! Compreendi muito o que acontece comigo a pelo menos 15 anos!!

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