Recebi um comentário intrigante e muito interessante em minha última postagem: "o sofrimento reside no fato de sempre sermos atores, mesmo quando de alguma forma, "desvendamos o drama inconsciente." O comentário se estendeu com uma outra indagação, baseada na experiência pessoal de sua autora: "Os momentos de clareza e paz mais profundas se apresentam quando a identidade esta 'ausente' ... ou pelo menos em segundo lugar." Num primeiro momento essas indagações me pareceram muito procedentes e muito atraentes. Concordo totalmente com o fato de termos que representar papéis o tempo todo e que isso é, via de regra, causa de muito sofrimento, sem dúvida nenhuma. Me lembrei de casos de pacientes, familiares e amigos, infelizes por terem que desempenhar papéis e funções, incompatíveis com seus desejos e anseios. Mas havia algo que não batia - como podemos não ter nenhuma identidade? Isso é possível? Percebi que essas questões precisavam ser melhor organizadas, como forma de se buscar respostas: a) O sofrimento reside no fato de estarmos sempre desempenhando papéis, o que de alguma forma nos torna "falsos" ou "não autênticos", causando sofrimento emocional e psíquico?; b) A ausência da "identidade", pode nos tornar mais livres, mais claros e mais profundamente felizes?
Procurando por respostas dentro da teoria psicodramática, li que o homem é um "ser-em-relação" e um "ser-no-mundo", conforme a teoria existencialista de Heidegger. Um "ser-em-relação" com ele próprio e com o mundo, por estar no mundo. Não há como se relacionar sem o suporte da "identidade", que é a forma como o homem é enxergado pelas outras pessoas, independentemente de ser bom ou ruim. E toda identidade é acompanhada por uma infinidade de papéis, que irão dar o suporte e a aparência dessa "identidade". Mesmo quando meditamos ou buscamos a ajuda de um mestre, temos a identidade do "buscador", da "pessoa que se trabalha", etc. O mesmo ocorre com o mestre. Quando o procuramos, o procuramos por saber quem ele é e como pode nos ajudar. Mas se as coisas são assim naturalmente, por que há o sofrimento? Para o psicodrama, o sofrimento pode estar atrelado ao fato de desempenharmos papéis e identidades que não se afinam com a nossa essência, que via de regra é inconsciente. Muitas vezes sequer percebemos que estamos sofrendo muito, por estarmos representando papéis que não queremos. Papéis e identidades que se constituiram para obtermos a "aprovação" do meio em que estamos inseridos. O papel é a forma de funcionamento que o indivíduo assume no momento específico em que reage a uma situação específica, na qual outras pessoas estejam envolvidas. Provavelmente em uma experiência muito pessoal, que envolva meditação e práticas específicas, haja a possibilidade de haver um afastamento dos papéis que representamos no dia-a-dia. Mas acredito que quando esse afastamento ocorre, imediatamente entra em cena um outro papel e uma outra identidade, mais profundos e mais verdadeiros, compatíveis com aquela situação. Mas continuam sendo papéis e identidades.
As teorias psicodramáticas de forma geral, levam o conceito de "papel" para todas as dimensões da vida, do nascimento a toda a existência, enquanto experiência individual e modo de participação na sociedade. O termo "papel", compreende as unidades de representação teatral e de ação e funções sociais. Para o psicodrama sempre "somos atores" e sempre estamos "representando papeis". No livro "Lições de Psicodrama - Gonçalves, Salles Camila; Wolff, Roberto José; Almeida, Castello Wilson - Editora Agora - 1988", os autores ressaltam que na vida real, em sociedade, os indivíduos tem funções determinadas por circunstâncias sócio-econômicas e por sua inserção em uma determinada classe social. Assim há papéis profissionais: marceneiro, encanador, médico, dentista, etc.; pepéis dterminados pela classe social: patrão, operário, sem-terra, fazendeiro, etc.; pepéis constituídos por aitudes e ações: líder, revolucionário, negociador, repressor, etc.; papéis afetivos: amigo, inimigo, companheiro, etc.; papéis familiares: pai, mãe, filho(a), patriarca, sucesso da família, desastre da família, etc.; papéis institucionais: diretor, deputado, coordenador, reformador, etc.
Na próxima semana retomo a Matriz de Identidade e o desenvolvimento, caso esse assunto de hoje se esgote.
Como trabalhar o "papel de doente"? Quando adoecemos, entramos nesse "papel"? Pessoas que de uma hora para outra desenvolvem doenças graves, tem a sua vida revirada de cabeça para baixo. Como sair desse papel?
ResponderExcluirCícero