sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Um Drama Familiar Contemporâneo - A transmissão e perpetuação de papéis

A evolução tecnológica tem provocado um fenômeno sócio-econômico que é motivo de aflição para muitas famílias. As máquinas e os computadores estão ocupando os postos de trabalho no lugar das pessoas. Podemos ter uma rápida constatação deste fenômeno quando somos obrigados a fazer qualquer coisa em uma agência bancária. Isso para os raros casos em que não podemos resolver problemas pela internet, no conforto do escritório ou de casa . Em uma agência bancária, quase tudo pode ser feito através de caixas eletrônicos, dispensando a necessidade de atendentes. Me lembro de um trabalho que participei como consultor, realizado em uma pequena indústria de portas e janelas de ferro no interior de Goiás. O dono daquela pequena indústria havia acabado de realizar um investimento em máquinas modernas, que ocupavam metade de sua fábrica. Na outra metade havia mantido o modo de produção original, onde todas as atividades eram realizadas por funcionários e ferramentas antigas. A diferença era absurda! A parte da fábrica que funcionava com as máquinas modernas produzia simplesmente dez vezes mais, por muito menos da metade do custo da outra parte, que mantinha os funcionários trabalhando da maneira antiga. Era apenas uma questão de tempo para que o dono dessa pequena indústria conseguisse financiar mais máquinas modernas e, demitisse a maior parte dos funcionários que ainda restavam na produção. Sabemos que hoje em dia, cada vez mais existem menos empregos, em função do avanço tecnológico inexorável. Essa é uma verdade indiscutível e é uma das grandes questões sócio-econômicas a serem enfrentadas pelo mundo contemporâneo, tanto do ponto de vista dos meios de produção, quanto do ponto de vista dos reflexos dessa transformação na psique e na saúde.
De um modo geral, ao verificarmos listagens de cargos e salários de grandes empresas, infelizmente ainda se pode verificar que existe uma distinção sócio-econômica entre homens e mulheres. Mulheres que ocupam os mesmos cargos que homens, embora realizem as mesmas funções e atividades, possuem um salário menor. Essa é a peça que faltava para a montagem de um drama contemporâneo: Os poucos postos de trabalho disponíveis são normalmente preenchidos por mulheres, em função de seus salários serem menores e mais vantajosos para os empregadores. Com isso é muito comum hoje em dia, verificarmos haver um grande número de homens desempregados, sendo sustentados por suas esposas ou companheiras. Homens em casa, com poucas perspectivas e fora do modelo de produção oficial e, mulheres fora de casa, trabalhando e participando do modelo de produção oficial. Esse cenário tem sido um terreno fértil para o surgimento de quadros de depressão, ansiedade e muita desarmonia na família, tanto para homens como para mulheres.

A família possui uma matriz sociométrica e sociodinâmica poderosa, que embora já tenha se modificado externamente e socialmente com os avanços e conquistas da mulher (avanços inquestionáveis), em seu imaginário interno, essa matriz ainda permanece quase que intocada: O homem como chefe da casa e o responsável oficial pelo provimento da família e, a mulher como dona-de-casa e responsável pela manutenção do lar. Um drama antigo que apresentava um homem orgulhoso, cego e ausente na educação dos filhos, devido sua posição oficialmente superior. Uma mulher mártire que praticamente educava sozinha seus filhos, alem de lidar com todas as responsabilidades do dia-a-dia da casa, sem ter com isso, nenhum reconhecimento oficial. No primeiro caso a atuação masculina é recheada de símbolos heróicos e de conquistas, reconhecidas pela ordem estabelecida. Já a mulher era associada ao trabalho braçal da casa: lavar, passar, arrumar, manter a ordem, etc. Um papel relegado pela ordem oficial estabelecida. Trata-se de um "drama familiar" que já existia a um bom tempo e que foi incrementado por uma incrível inversão de papéis. Uma inversão de papéis circunstancial que não modificou e transformou o drama! Internamente os homens continuam buscando cumprir seu papel de provedores e heróis, mas não conseguem o espaço social para a realização dessa fantasia. Ao mesmo tempo as mulheres continuam tentando se libertar da tirania masculina, embora já não dependam mais  economicamente de seus maridos. Pois bem, isso significa que homens e mulheres ainda permanecem atrelados ao mesmo drama anterior, com o incrível reforço dos mesmos papéis de sempre: A mulher teve exacerbado seu papel de mãe-mártire, agora reconhecido e reforçado socialmente pelos meios de produção formal (trabalha o dia inteiro e ainda realiza as tarefas da casa). O sentimento de repulsa à histórica tirania masculina reconhecida por um autoritarismo visível, contundente e, às vezes, até mesmo violento da figura paterna, permanece e torna-se bode espiatório de todos os males. É muito comum hoje em dia ouvirmos histórias familiares com esta, em que a mulher que trabalha e sustenta sua família ainda aparece como mártire, repetindo um papel que aprendeu com sua mãe, que aprendeu com a mãe dela, que apredeu com a mãe dela, etc.
Já o homem veste esta carapuça e ao invés de procurar representar novos papéis transformadores, gasta seu tempo e sua energia tentando reconquistar o território perdido. Isso significa que muitas vezes continua ausente na família, com a desculpa de que continua sendo o chefe da casa, mesmo estando fora da produção formal. Sem perceber muito bem, agora representa o papel de um chefe de família fracassado. Um papel que traz sofrimento para si e para os que estão a sua volta, produzindo doença, discórdia e depressão.
Pretendo continuar com esse assunto em meu próximo texto, falando do poder materno.

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