Recentemente estive relendo e estudando uma série de atendimentos familiares realizados nos últimos anos, tanto por mim como por colegas ou por relatos em livros e textos de estudos de caso. Na imensa maioria dos casos,as queixas iniciais tinham um traço muito comum: a) pais autoritários/ausentes e b) mães mártires que ficaram com a responsabilidade de garantir a sobrevivência moral e econômica da família. É surpreendente a incrível semelhança que a maior parte desses atendimentos tinham em comum: homens com um forte perfil machista, praticamente ausentes do processo familiar (até mesmo das sessões de psicoterapia) e, mulheres abnegadas e determinadas a fazer de tudo para superar os obstáculos enfrentados por sua família. O obstáculo maior: o autoritarismo e a ausência paternas, tanto no sentido econômico como no sentido moral e afetivo. Isso significava que no início do processo terapêutico, a família buscava por ajuda para vencer o grande mal representado pelo papel masculino. Quando digo a família, quero dizer "mãe e filhos". Mas em boa parte dos casos, quando o processo de terapia começava a se aproximar da revelação do drama, surgiam evidências de que um outro poder também atuava negativamente sobre a família, alem do poder machista e autoritário representado pela figura paterna. Um poder que era invisível, mas que também era controlador, autoritário e até mesmo, violento: o poder materno. São muitos os exemplos que poderia dar, mas me lembro de um caso em que um filho mais velho de 17 anos apresentava grande dificuldade em conseguir amigos com a mesma idade. Era muito tímido e só conseguia se relacionar com meninos muito mais novos que ele. Também pairavam suspeitas sobre sua sexualidade, uma vez que nunca tinha apresentado ou comentado sobre a existência de alguma namorada. Nas queixas iniciais o pai aparecia como o grande responsável pelo comportamento embotado do garoto. Isso porque sempre se dirigia a ele (quando se dirigia...) de forma agressiva e violenta, acusando-o de incapaz e efeminado. No desenvolvimento do processo da terapia, durante uma dramatização do cotidiano da família, revelou-se que o rapaz dormia na mesma cama da mãe, no lugar de seu pai, que trabalhava até altas horas da madrugada. Permitir que seu filho adolescente dormisse na mesma cama, era uma forma de lhe transmitir um carinho que ele não podia contar através de seu pai. Esse era um comportamento tido como normal e corriqueiro na família, inclusive pelo próprio pai. Sem perceber e sem se dar conta, acabou assumindo um papel impossível de ser representado: o de substituto de seu pai e de "salvador" de sua pobre mãe. Suas questões pessoais e biológicas foram totalmente relevadas. Não é difícil perceber que um rapaz de 17 anos não pode ter ereções e nenhuma expressão sexual, dormindo ao lado da própria mãe. É mais fácil se infantilizar para conseguir sobreviver a isso. No entanto, a queixa que persistiu e que se tornou mais evidente, foi a queixa do pai autoritário/ausente, que ajia com truculência.
O autoritarismo masculino presente historicamente na estrutura familar, tem contribuído para camuflar um poder invisível e dissimulado da figura materna. A figura de um pai autoritário/ausente, serve como referência negativa e como bode espiatório para a maior parte dos problemas estruturais de uma família. É comum escutarmos queixas que apontam para a responsabilidade paterna em relação aos problemas da família. Queixas que são reforçadas e fundamentadas pelo autoritarismo, pelo machismo e muitas vezes por um comportamento até mesmo violento. Ao mesmo tempo em que essa imagem terrível do masculino se reforça, uma outra imagem feminina de abnegação e dedicação heróica, irradia sua presença no espaço familiar. Essa irradiação ocupa totalmente o espaço, se amoldando, se instalando e cristalizando sua presença no espaço interno de cada membro da família. Uma presença que se reforça por um ideário da mãe-martir/dominadora. Surge de forma camuflada e mascarada, o poder materno. Esse domínio se estabelece pelas sombras, uma vez que o reconhecimento formal do "chefe-da-casa" tem sido historicamente destinado ao papel paterno. Socialmente essa tem sido a única forma do feminino se estabelecer e ser aceito formalmente. Obviamente esse modelo se encaixa mais perfeitamente nas gerações de nossos pais. Um dos grandes problemas é que esses papéis ainda se mantém intactos, mesmo depois da indiscutível emancipação feminina.
Arrasou!
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