sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A Lenda das Areias - A história da trajetória de um rio, que nos faz pensar na vida

"Vindo desde as suas origens nas distantes montanhas e após passar por inúmeros acidentes de terreno nas regiões campestres, um rio finalmente alcançou as areias do deserto. E do mesmo modo como vencera as outras barreiras o rio tentou atravessar esta de agora, mas se deu conta de que mal suas águas tocavam a areia, nela desapareciam.
Estava convicto, no entanto, de que fazia parte de seu destino cruzar aquele deserto, embora não conseguisse fazê-lo. Então uma voz misteriosa, saída do próprio deserto arenoso, sussurrou:


- O vento cruza o deserto, o mesmo pode fazer o rio.


O rio objetou estar se arremessando contra as areias, sendo assim absorvido, enquanto o vento podia voar, conseguindo dessa maneira atravessar o deserto.


- Arrojando-se com violência como vem fazendo não conseguirá cruzá-lo. Assim desaparecerá ou se transformará num pântano. Deve permitir que o vento o conduza a seu destino - disseram as areias.
- Mas como isso pode acontecer?
- Consentindo em ser absorvido pelo vento.


Tal sugestão não era aceitável para o rio. Afinal de contas, ele nunca fora absorvido até então. Não desejava perder a sua individualidade. Uma vez a tendo perdido, como se poderá saber se a recuperaria mais tarde?


- O vento desempenha essa função - disseram as areias.
- Eleva a água, a conduz por sobre o deserto e depois a deixa cair. Caindo na forma de chuva, a água novamente se converte num rio.
- Como é que posso saber que isto é verdade?
- Pois assim é, e se não acredita não se tornará outra coisa senão um pântano, e ainda isto levaria muitos e muitos anos; e um pântano não é certamente a mesma coisa que um rio.
- Mas não posso continuar sendo o mesmo rio que sou agora?
- Você não pode, em caso algum, permanecer assim - retrucou a voz. - Sua parte essencial é transportada e forma um rio novamente. Você é chamado assim ainda hoje por não saber qual é a sua parte essencial.


Ao ouvir tais palavras, certos ecos começaram a ressoar nos pensamentos mais profundos do rio. Recordou vagamente um estágio em que ele, ou uma parte dele, não sabia qual, fora transportada nos braços do vento. Também se lembrou, ou lhe pareceu assim, de que era isso o que deveria fazer, conquanto não fosse a coisa mais natural.
Então o rio elevou seus vapores nos acolhedores braços do vento, que suave e facilmente o conduziu para o alto e para bem longe, deixando-o cair suavemente tão logo tinham alcançado o topo de uma montanha, milhas e milhas mais longe. E porque tivera as suas dúvidas o rio pôde recordar e gravar com mais firmeza em sua mente, os detalhes daquela sua experiência. E ponderou:


- Sim, agora conheço a minha verdadeira identidade.

O rio estava fazendo o seu aprendizado, mas as areias sussurraram:

- Nós temos o conhecimento porque vemos essa operação ocorrer dia após dia, e porque nós, areias, nos estendemos por todo o caminho que vai desde as margens do rio, até a montanha.

É por isso que se diz que o caminho pelo qual o Rio da Vida tem que seguir em sua travessia, está escrito nas areias."

                                                                        -X-

Reencontrei essa linda história do ensinamento Sufi ("A Lenda das Areias" - Histórias da Tradição Sufi - Rio de Janeiro - 1993 - Edições Dervish, página 11.), durante minha busca rotineira por materiais que possam ser utilizados nos atendimentos de grupos. Resolvi postar e compartilhar por ver uma enorme relação da trajetória de um rio, com o processo de construção da identidade e do desenvolvimento da capacidade da "escuta interna" de nossa essência. Penso e acredito que isso só seja possível através do autoconhecimento e da percepção adequada da realidade e das dificuldades que encontramos na vida. Creio que não seja possível seguir o curso natural da vida, sem a modificação e a transformação que as dificuldades nos impõe, durante o trajeto. A espontaneidade e a criatividade são as forças capazes de promover essa transformação, tanto de si próprio, como da realidade que se se apresenta. Ser espontâneo e criativo propicia o desenvolvimento da habilidade de se dar respostas novas para questões muito antigas, aumenta o repertório existencial, a liberdade de viver e aumenta o volume da escuta da própria essência.


(O sufismo é uma tradição árabe mística e contemplativa, que acredita em um Deus generoso e amoroso e, que todos os homens de forma geral, podem entrar em contato íntimo com ele. Para os sufis, esse contato precisa da orientação de um mestre e é normalmente buscado através de práticas como a dança, a música e histórias meditativas. Para quem quiser saber mais sobre os Sufis e o sufismo, pode-se acessar o link: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sufismo)

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