Na definição de Jabob Levy Moreno (o criador do psicodrama), psicodrama “é a ciência que explora a "verdade" por métodos dramáticos" (entenda-se por "verdade", como a "verdade" que alguém está vivenciando ou procurando vivenciar, ou seja, a "verdade" subjetiva). Fala-se em métodos "dramáticos", porque o teatro é o berço do psicodrama. Na década de 1920, logo após a primeira grande guerra mundial, Moreno vivia em Viena. Já era médico formado e mantinha uma intensa atividade com trabalhos de prevenção e acolhimento, em comunidades de refugiados e prostitutas. Mantinha uma relação muito especial com o teatro porque considerava que o teatro tinha possibilidades ilimitadas para a investigação da "espontaneidade e criatividade”. Esses são conceitos básicos do psicodrama: "A espontaneidade é a capacidade de agir de modo adequado diante de situações novas, criando uma resposta inédita ou renovadora ou, ainda, transformadora de situações pré-estabelecidas". Ou seja, isso significa que o sujeito espontâneo e criativo possui o prazer e a alegria de estar vivo por reconhecer-se como "protagonista" de seu processo, ou, agente ativo de seu próprio destino.PSICODRAMA
Moreno estabeleceu uma relação entre a existência humana e o “drama” representado por múltiplos atores (atores representados pela mesma pessoa – pai, filho, irmão, marido, etc...) , cujo enredo é, para eles, sempre inconsciente. Aqui convém ressaltar que o significado grego para a palavra "drama", é "paradoxo, conflito". Ou seja, no teatro, um drama conta a história de um "paradoxo/conflito" terrível, vivido pelo personagem principal (protagonista). No drama, esse conflito pode existir por uma falha moral ou, pela incapacidade desse personagem principal, em lidar com as circunstâncias desfavoráveis. Para Moreno, “Somente a revelação do drama interno, pode transformar a existência”.
O trabalho psicodramático costuma ocorrer em três contextos básicos de realidade: social, grupal e dramático. A atuação dos participantes se dá através do desempenho dos papéis que emergem naturalmente da dinâmica grupal. Isso significa que são “papéis” que sempre trazem questões da vida cotidiana dos participantes do grupo e da forma como se sentem atingidos, naquele momento. Cada pessoa representa normalmente em seu dia-a-dia, uma infinidade de papéis, tendo dentro de si, uma infinidade de “atores” que os representam. Os papéis que são representados nas sessões de terapia são sempre os papéis que de alguma forma já são representados em sua vida cotidiana. "O papel é a forma de funcionamento que o indivíduo assume no momento específico em que reage a uma situação específica, na qual outras pessoas ou objetos estão envolvidos" (Lições de Psicodrama - Ágora Editora - 7ª edição - Gonçalves, Salles, Camila; Wolff, Roberto Wilson; Almeida, Castello, Wilson).
A formação de um Grupo Terapêutico gera o “contexto grupal”, formado pelo vínculo que é comum aos integrantes de um grupo de psicoterapia: os motivos que a levaram a fazer terapia – suas queixas e o significado dessas "queixas". Torna-se um lugar onde os sujeitos mostram as suas diferenças e pluralidades, podendo compartilhá-las. No contexto dramático, emergirá o produto do protagonista, através de cenas repletas de significados, tal como a realidade. Nesse contexto existem cinco instrumentos considerados fundamentais: protagonista (paciente ou grupo), cenário (lugar onde se realiza a dramatização), ego auxiliar (um importante assistente do diretor), psicoterapeuta (diretor) e platéia (sempre formada por pessoas ligadas ao contexto grupal).GRUPO
As intervenções no grupo psicodramático giram em torno da idéia da espontaneidade e da criatividade, como uma forma de se remeter aos atos de nascimento e renascimento: emocionais, afetivos, conativos e relacionais.
Vou procurar demonstrar o que disse acima, dando um exemplo simples da forma como as pessoas normalmente buscam ajuda especializada. O comportamento mais comum tem implícito um desejo muito corriqueiro: o desejo de procurar um profissional renomado, que cobre um preço que possa ser pago e, que “resolva” o “meu problema”. Explicando melhor: a pessoa que procurou algum tipo de ajuda, acredita que a solução de seu problema (que é só um pequeno pedaço da sua “verdade”), não depende de si mesma, mas de outra pessoa (o médico ou o psicólogo, etc.). Essa fantasia ocorre por haver um reconhecimento prévio de que esse profissional escolhido tem todo o conhecimento necessário para resolver “o meu” problema. Vamos deixar claro que é óbvio que o psicólogo ou outro profissional de saúde tenham que estar muito mais preparados para ajudar as pessoas a resolverem suas dificuldades, do que uma pessoa que não tenha estudado e feito práticas para esse fim. E também é natural que essa diferenciação coloque esse profissional num lugar de destaque, na relação com seu cliente. Mas se prestarmos atenção, essa simples ação revela dois importantes enganos: 1) a de que o “meu problema” não é mais “meu problema”, porque eu o tercerizei para alguém muito competente; 2) a partir dessa terceirização, permito que uma outra pessoa, seja a protagonista do meu processo pessoal de “cura”, passando a responsabilidade que deveria ser só minha, para ela.O MODELO TRADICIONAL E O PSICODRAMA
Existem alguns exemplos que a maioria das pessoas já vivenciou que podem ilustrar o que foi dito aqui: “Dr. Fulano é um ótimo cirurgião! Salvou a vida de Cicrano! Mas é um grosso! Não fala adequadamente com a família sobre os desdobramentos da recuperação; ...Eu disse para o Dr. Fulano que esses remédios me fazem mal, mas ele ficou bravo e disse que isso é coisa da minha cabeça, me mandando continuar a tomá-los; Não consigo fazer a dieta que Dr. Fulano me prescreveu e ele me disse que se não emagrecer, nem adianta voltar...; Dr. Fulano disse que a solução de meu problema é dormir em um quarto arejado, sem mofo e sem barulho. Mas eu fiquei com vergonha de dizer que moro na favela...; Minha consulta demorou 10 minutos e o médico nem olhou na minha cara”; Quero ouvir que conselhos o meu psicólogo vai me dar, para sair dessa enrrascada..." Vejam que não adianta dizer: “você tem que emagrecer... ou durma em um ambiente tranqüilo”, se o paciente tem dificuldade em não comer em excesso ou more em um lugar onde é impossível se ter um quarto de dormir tranqüilo. Da mesma forma, nenhum psicólogo que se preze, tem o dever e a responsabilidade de “dar conselhos” de “como se deve agir” em determinadas situações.
O psicodrama e a atividade com grupos se diferenciam do modelo tradicional de saúde, por procurar apresentar uma proposta chamada por Moreno de "totalizadora". Proposta totalizadora para o psicodrama significa trazer elementos biológicos, psicológicos e sociais, num mesmo tempo, aqui e agora, através do próprio indivíduo e, não de terceiros. Dessa forma ele passa a ser o protagonista de seu processo, e também a assumir a responsabilidade que lhe compete. Por essa razão sua premissa não é o "sintoma", que embora seja muito importante e também um “ponto de partida”, é apenas um recorte da “verdade” de uma pessoa. É impossível conhecer “toda a verdade”, de alguém. Nessa visão, não só a “doença” deve ser compartilhada pelo cliente. Mas também o “tratamento”. E neste sentido o psicodrama se encaixa de maneira muito precisa com a clínica interdisciplinar, convidando outros profissionais (médicos, dentistas, fisioterapeutas, etc) a comporem o processo do cliente, sempre que isso for necessário, mas sem que lhe retirem o “papel” de “protagonista”.
A premissa do psicodrama é o “encontro”, onde os indivíduos têm a oportunidade de falar de si e dos outros, buscando vivenciar essas experiências através da dramatização e do compartilhamento. Esses elementos básicos são facilitadores para o surgimento da espontaneidade e da criatividade, como forças transformadoras da “realidade” desse indivíduo, com ele sendo o único e mais importante "responsável".
Lembro-me de um atendimento que fiz no ambulatório do sono do Hospital São Paulo, em que a uma paciente de 17 anos apresentava um importante quadro de insônia, causada por alterações em seu ciclo “sono-vigília” (ciclo circadiano) e, principalmente, por uma péssima “higiene de sono” (higiene de sono é a expressão que resume uma série de medidas e comportamentos preventivos, que tem por finalidade facilitar uma boa noite de sono). Tratava-se de uma paciente em que seu diagnóstico já havia sido feito pela equipe médica, mas ela sempre retornava ao hospital com a mesma queixa. Nos atendimentos era perceptível que seus hábitos e costumes haviam mudado muito pouco, e que seu quarto de dormir ainda resumia-se a um pequeno cômodo, na entrada do barraco em que vivia. Ou seja, não havia muito que se fazer... O problema que a paciente apresentava estava esclarecido, mas a solução parecia impossível, em função de sua realidade cotidiana permanecer a mesma. Ocorre que durante uma dramatização, onde a pequena sala de atendimento do ambulatório era o “cenário”, a paciente passou a enxergar e dar possíveis soluções para modificar a “realidade” de seu quarto de dormir. Suas dificuldades foram compartilhadas e permitiram o surgimento de soluções e idéias, espontâneas e criativas, que nunca lhe haviam ocorrido, antes. Acompanhei essa paciente por pelo menos um ano e sou testemunha da incrível melhora de sua qualidade de sono.
Interessante poder falar de si e outras pessoas desejarem ouvir!! Realmente isso não acontece normalmente. Esperam que você diga o que está acontecendo e já lhe apresentam uma resposta pronta, para ser seguida por você, e pronto!Parecido com o exemplo que você citou, do paciente que se sentia mal tomando os remédios que lhe foram prescritos. Mesmo dizendo que aqueles remédios lhe faziam mal, o médico preferiu acreditar no seu manual prático, do que no paciente. Isso já aconteceu comigo e abandonei um tratamento de insônia, várias e várias vezes.
ResponderExcluirExistem, ao meu entender, duas situações diferentes e importantes de serem reconhecidas e tratadas de forma separada. Uma é a do profissional que pede/exige o que não está ao alcance daquela pessoa. Sensibilidade, percepção do outro é exigência clara e nem sempre vivenciada nas relações muitas que vemos por aí. A outra é a dificuldade de auto-gerir as nossas vidas. Invariavelmente somos pegos ou assistimos a uma série de providências "protelatórias" no instante de agir. Acumulamos responsabilidades, delegamos o impossível, discutimos o "sexo dos anjos"...tudo por incapacidade de ser "responsável". Vivo esta realidade acompanhando idosos e tentando manter a lucidez na comunicação com os familiares, é espantoso o repertório de desvios que se apresenta. Muito do jogo médico/paciente traz as cores que precisam se "encaradas" no processo terapeutico. Muito do papel do responsável e do dependente carece de revisão permanente a fim de manter saudável e objetiva a relação. Há um quê de junto e misturado em nossas vidas que podem atuar tanto contra quanto a nosso favor e a mediação de um bom profissional ajuda a sair melhorado deste exercício.
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