sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Excesso ou ausência de culpa

Em relação a culpa existem duas situações extremas: o excesso do sentimento de culpa  que produz um enorme sofrimento psíquico - "culpa intolerável", ou a sua ausência, que tem como reflexo a "falta de um sentimento moral" ou a "incapacidade para a culpa".
É comum encontrarmos pessoas que são sobrecarregas por um sentimento de culpa que, devido ao seu excesso, acabam bloqueadas e limitadas por ele. A sensação que o sujeito tem é comparada com o peso de um enorme fardo em suas costas, que é aliviada quando surge uma oportunidade adequada para uma "ação compensatória", como a realização de alguma ação cooperativa e construtiva para com os outros. Basta "fazer o bem" que a sensação de bloqueio quase que desaparece, produzindo um enorme alívio. Mas se houver qualquer falha ou qualquer impossibilidade de realização dessa ação construtiva, a culpa intolerável retorna de forma cruel e avassaladora, bloqueando e limitando novamente o sujeito. Em resumo trata-se de um sentimento de sobrecarga e limitação, que ocorre com muitas pessoas que levam uma vida considerada normal, se repetindo de maneira sistêmica. O sujeito carrega consigo um sofrimento crônico, produtor de ansiedade e de muita angústia.
O tratamento analítico para a "culpa intolerável" leva para a procura das origens desse sofrimento, que podem estar relacionadas com a "melancolia" e com a "neurose obssessiva". Melancolia - que é uma forma organizada do estado de depressão, ao qual todas as pessoas estão sujeitas. O sujeito que sofre de melancolia sente-se diretamente responsável por desgraças e problemas que, analisados racionalmente, passam muito longe de sua responsabilidade individual. Alguns exemplos: a fome no mundo, as guerras mundiais, a desigualdade social, a crueldade com os animais, etc. A crença quase que indestrutível do sujeito nessa falsa responsabilidade que atribui a si mesmo,  é o campo necessário e perfeito para o surgimento da culpa incontrolável. Neurose obssessiva - que são idéias, compulsões e comportamentos expressos através de rituais específicos, criados pelo próprio indivíduo, com o objetivo de acertar e reparar situações ou alguma coisa que considere errado. O sujeito sofre com uma ruminação indesejável e interminável de idéias, dúvidas e escrúpulos, que o leva a inibições do pensamento e da ação objetiva. Em outras palavras o sujeito está sempre tentando acertar  e reparar alguma coisa, que  em sua fantasia ele considera errado. Logo fica claro para quem está observando e provavelmente para o próprio sujeito, que ele não terá êxito nenhum em sua tentativa de acertar e reparar, mas as ruiminações são mais fortes e os rituais sempre se repetem, atuando como um remédio que ameniza e alivia o sentimento da culpa incontrolável - ("se não agir assim, serei o responsável pelas consequências...").

Também há pessoas que demonstram uma certa "incapacidade" em sentir culpa. Felizmente o extremo dessa incapacidade é bastante raro (psicopatia ou comportamento anti-social). Mas não é raro encontrarmos pessoas que levam uma vida normal, e demonstram uma certa incapacidade em sentir preocupação ou sentimento de culpa, ou até mesmo remorso. Se pensarmos no desenvolvimento natural da capacidade de sentir culpa, podemos encontrar indivíduos que tiveram um desenvolvimento sadio apenas em parte. Isso significa que as pessoas que possuem uma certa falta de senso moral não tiveram nos estágios iniciais do seu desenvolvimento emocional, as condições físicas e emocionais que lhes possibilitasse o desenvolvimento de uma capacidade para o sentimento de culpa. Em situações favoráveis a capacidade do sentimento de culpa se constrói gradativamente no indivíduo, de maneira mediada e segura.
Obviamente o sentimento de culpa não pode ser encontrado no início do processo de maturação emocional, pelo fato de o ego ainda não estar suficientemente maduro para oferecer resistência e aceitar responsabilidades pelas pulsões do id (http://manoel-psicogrupos.blogspot.com/2011/05/o-ambiente-e-preservacao-da-essencia-da.html). Tudo começa com o desenvolvimento do respeito aos pais, em especial à mãe. Isso está diretamente relacionado com a oportunidade de "reparação". A "reparação" é um mecanismo descrito por Melanie Klein (*) pelo qual o sujeito procura reparar os efeitos produzidos pelas oscilações entre o amor e o ódio, ainda produzidos de forma intensa e primitiva no bebê e na criança muito pequena. Essas oscilações são muito comuns e normais nos estágios iniciais do desenvolvimento emocional, perdurando por toda a vida. A fronteira entre amor e ódio é extremamente tênue. A diferença está em que o adulto (sadio), por já ter o ego maturado e um consequente repertório desenvolvido, provavelmente controlará seus impulsos e irá resignificá-los e, quando for o caso, poderá "reparar" algum dano causado.
Para a criança em desenvolvimento esse é o maior desafio a ser conquistado, no tempo certo e de forma paciente, generosa e acolhedora pelos pais. Em outras palavras, cabe aos pais propiciar e oferecer a oportunidade de "reparação" como forma de elaboração desses conflitos e também de construção e desenvolvimento de um repertório amplo, espontâneo e sadio.
Basta olharmos os jornais e a internet que encontramos sinais claros desse tipo de falha no desenvolvimento emocional: roubo, mal uso do dinheiro público, homicídios, mentiras, destrutividade, violência descabida, etc. Onde há uma falta de senso moral pessoal, a necessidade do controle externo (inculcado) se faz necessária e imperiosa. Mas é preciso deixar claro que a socialização resultante desse tipo de ação é instável e pouco confiável. Os exemplos dessa instabilidade e pouca efetividade podem ser muitos: sistema carcerário (de adultos e crianças), leis que são criadas e sempre são negligenciadas, escolas reformatórias, etc. Talvez o surgimento de novas instituições que privilegiem e proporcionem o trabalho com o autoconhecimento e o desenvolvimento da capacidade de recuperação do sentimento de culpa, sejam mais efetivos. O desenvolvimento da capacidade de "reparação", mesmo em adultos já formados, produz efeitos duradouros, estáveis, consistentes e mais verdadeiros.

2 comentários:

  1. Psicopatas não sentem culpa por qual motivo? O que os torna tão distantes das outras pessoas, a ponto de não se importarem com o sofrimento que sentem?
    Pedro Novaes

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  2. Bom Dia... acredito que a ausencia deste sentimento observado de um prima social, esta ligado direta e indiretamente a formação dentro do contexto familiar, pois esta formação depende do conjunto do que é recebido no inicio da vida, ressaltando que haverá excessões mais não será a regra, pois o contexto familiar é de exssêncial papel no conjuto da formação deste ser social. Por José Roberto

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