Dissemos até aqui que, de acordo com a definição de Jung o homem já nasce com o "self" que é o núcleo central da psique, o "centro fundamental cujo papel é o de ordenador de energias". Seu conteúdo é visto como um "potencial" a se desenvolver através da experiência vivida e pelo autoconhecimento. O "ego" na cocepção de Freud, é a unidade da consciência que irá se desenvolver mais tarde, sendo a instância psíquica responsável pela memória, controle motor, percepção sensorial, sentimentos e pensamentos. Esses fatores biológicos irão influenciar o desenvolvimento do ego através do processo de maturação, tendo duas vertentes básicas: a) a experiência vivencial do sujeito e b) o ambiente e suas influências determinantes nos processos de amadurecimento biológico e emocional. Uma vez "pronto", o "ego" será a principal ferramenta que o sujeito irá utilizar para lidar com o mundo externo e promover o autoconhecimento.
Pois bem, todas as situações de conflitos enfrentadas pela criança em seus primeiros meses de vida, geradas pelo próprio nascimento e pelo processo de amadurecimento, produzem uma reação no bebê por meio de manifestações psicológicas e físicas, que são denominadas como "ansiedade". Freud acreditava que a ansiedade tinha uma base biológica herdada, ou seja, que o organismo humano é dotado naturalmente dessa "capacidade". Em suas observações e considerações, identificou essa "capacidade", como um valor de sobrevivência para o indivíduo, em seu estado "natural". Se um ser humano, sem a proteção de seus pais, não se atemorizasse por coisa alguma, seria logo aniquilado. Nomeou os conflitos inerentes ao amadurecimento e ao próprio nascimento, como sendo: "situações traumáticas" e "situações de perigo". Situações de perigo são diferentes de situações traumáticas: o perigo é percebido e temido e, de alguma maneira pode ser que seja contornado. O trauma acontece quando o perigo não pôde ser contornado e uma situação indesejável se estabeleceu. Quando uma situação traumática ocorre, a psique é inundada por uma afluência enorme de estímulos, demasiado grande para que se possa "dominar" e "descarregar" (isso quer dizer: "controle, equilíbrio e alívio" sobre sensações ruins e indesejáveis). Na teoria da ansiedade de Freud, o responsável pela "dominação" e "descarga" dos estímulos, é o "ego". Como o "ego" da criança em seus primeiros anos de vida é ainda relativamente débil e pouco desenvolvido, a criança irá precisar fundamentalmente do "ego" de sua mãe, para conseguir contornar o perigo e evitar a instalação do trauma.
É neste momento que considero a contribuição de D.W.Winnicott com a sua teoria do desenvolvimento emocional, como um avanço na compreensão do desenvolvimento do "self" e do "ego". Existem importantes e diferentes conceituações de "self" e de "ego", entre Jung, Freud e Winnicott. Para Winnicott, embora muito frágil, o "ego" existe desde o início, em conjunto com o "id" (centro instintivo) e, o resultado de sua "integração" e amadurecimento, é o que pode ser denominado como "self". Essas diferenças conceituais não cabem serem discutidas aqui e, como pesquisador, considero mais importante buscar o encadeamento e pontos em comum, dessas várias idéias.
Para Winnicott, o ambiente humano é fundamentalmente o grande responsável por sua capacidade em facilitar ou não, o amadurecimento emocional e biológico da criança. Entenda-se como ambiente, todas as provisões "suficientemente boas", que facilitam ao bebê o seu progresso na jornada do desenvolvimento emocional. "Prover para a criança é por isso uma questão de prover o ambiente que facilite a sua saúde mental individual e o desenvolvimento emocional." - "O ambiente e os Processos de Maturação" - pg 63 - Artmed Editora - Porto Alegre - 1983". Quando Winnicott fala em "provisão" adequada para a criança, inclui o conceito da "mãe suficientemente boa", cuja missão maior está em garantir a "provisão para a saúde": saúde mental e desenvolvimento emocional.
Quando a mãe não é "suficientemente boa", a criança não é capaz de começar a maturação do "ego", comprometendo o seu desenvolvimento que passa a ocorrer de forma distorcida e com problemas, em um momento de vital importância no processo de desenvolvimento. Aqui é muito importante frisar que não é adequado se pensar no bebê, apenas como uma pessoa que sente fome e outras necessidades básicas, que devem ser supridas. Mas sim, como um ser imaturo, que por sua total dependência da mãe e do ambiente, está continuamente a pique de sofrer uma ansiedade inimaginável. É muito importante se ressaltar que quando Winnicott fala sobre falhas no desenvolvimento emocional, não está se referindo e nem contemplando as doenças mentais primárias (aquelas decorrentes de problemas neurofisiológicos: paralisia cerebral, cérebro arterioesclerótico, etc).
De uma forma geral e natural, a ansiedade surge como um mecanismo de defesa, que dependendo da intensidade e do grau de desenvolvimento emocional em que a criança se situa, acarretará em consequências que são classificadas em dois grupos: a) ansiedade de castração - psiconeuroses; e b) ansiedade de aniquilamento, ou ansiedade inimaginável - psicose.
Na ansiedade de castração ou psiconeuroses, a psicanálise considera que a criança tenha atingido um certo estágio de desenvolvimento emocional (genitalidade e complexo de édipo) que lhe permite organizar defesas contra a ansiedade. Essas são as chamadas doenças neuróticas e o grau da doença está relacionado com o seu grau de rigidez. Em outras palavras, esse é o estágio em que a criança já consegue organizar seus desejos amorosos e hostis, em relação aos seus pais. Em termos de desenvolvimento emocional, isso já é muita coisa e está implícito que a personalidade do indivíduo está intacta, ou em termos de desenvolvimento, que a personalidade foi construída e mantida e que a capacidade para se relacionar com o mundo está preservada. Por essa razão as neuroses estão relacionadas às pessoas ditas como "normais".
Quando ocorre ansiedade de aniquilamento e não a ansiedade de castração, ocorre uma inundação de impulsos e sentimentos que não podem ser controlados, organizados e descarregados pelo "ego" da criança, devido a sua imaturidade e incapcidade. Se o ambiente através do "ego auxiliar" da "mãe suficientemente boa", também não proporcionar ao bebê uma forma de organização e auxílio para que a descarga ocorra, a ansiedade inimaginável se estabelece.
A ansiedade inimaginável é descrita por Winnicott nas variedades: 1) Desintegração; 2) Cair para sempre; 3) Não ter conexão alguma com o corpo; e 4) Carecer de orientação. As falhas que podem gerar a ansiedade inimaginável, produzem uma reação demasiado forte na criança, que corta a continuidade existencial. Dependendo do tempo e da intesidade, a ausência de continuidade existencial torna-se um padrão de desfragmentação do ser. A esquizofrenia e a personalidade esquizoide possuem uma forte relação com essas falhas.
Esse complexo e dinâmico processo possue forças que se confrontam e operam dentro do "self", produzindo uma infinidade de tensões que irão produzir o amadurecimento. Em condições normais o "self" nunca deve ser submetido à realidade externa para manter sua integridade. Isso significa que em termos de saúde mental, o conteúdo maior, a essência do sujeito, deve se preservar e não sucumbir ao mundo externo. O "self", que expressa toda a potencialidade do indivíduo, nunca deve ser submisso às questões sociais, preservando e enriquecendo a personalidade, sendo sempre "verdadeiro". Somente o "self" verdadeiro pode se sentir real, preenchido e pleno. Para lidar com os aspectos externos e ser protegido, surge um "falso self", que se constroi na base da submissão. O "falso self" e sua função defensiva do "self verdadeiro" pode estar associado com o conceito de saúde mental, mas sua existência não pode se sobrepor ao verdadeiro "self". Quando o "falso self" é tratado como real, há um crescente sentimento de futilidade, vazio e desespero por parte do indivíduo. É a partir desse ponto que prossigo na próxima semana.
Pois bem, todas as situações de conflitos enfrentadas pela criança em seus primeiros meses de vida, geradas pelo próprio nascimento e pelo processo de amadurecimento, produzem uma reação no bebê por meio de manifestações psicológicas e físicas, que são denominadas como "ansiedade". Freud acreditava que a ansiedade tinha uma base biológica herdada, ou seja, que o organismo humano é dotado naturalmente dessa "capacidade". Em suas observações e considerações, identificou essa "capacidade", como um valor de sobrevivência para o indivíduo, em seu estado "natural". Se um ser humano, sem a proteção de seus pais, não se atemorizasse por coisa alguma, seria logo aniquilado. Nomeou os conflitos inerentes ao amadurecimento e ao próprio nascimento, como sendo: "situações traumáticas" e "situações de perigo". Situações de perigo são diferentes de situações traumáticas: o perigo é percebido e temido e, de alguma maneira pode ser que seja contornado. O trauma acontece quando o perigo não pôde ser contornado e uma situação indesejável se estabeleceu. Quando uma situação traumática ocorre, a psique é inundada por uma afluência enorme de estímulos, demasiado grande para que se possa "dominar" e "descarregar" (isso quer dizer: "controle, equilíbrio e alívio" sobre sensações ruins e indesejáveis). Na teoria da ansiedade de Freud, o responsável pela "dominação" e "descarga" dos estímulos, é o "ego". Como o "ego" da criança em seus primeiros anos de vida é ainda relativamente débil e pouco desenvolvido, a criança irá precisar fundamentalmente do "ego" de sua mãe, para conseguir contornar o perigo e evitar a instalação do trauma.
É neste momento que considero a contribuição de D.W.Winnicott com a sua teoria do desenvolvimento emocional, como um avanço na compreensão do desenvolvimento do "self" e do "ego". Existem importantes e diferentes conceituações de "self" e de "ego", entre Jung, Freud e Winnicott. Para Winnicott, embora muito frágil, o "ego" existe desde o início, em conjunto com o "id" (centro instintivo) e, o resultado de sua "integração" e amadurecimento, é o que pode ser denominado como "self". Essas diferenças conceituais não cabem serem discutidas aqui e, como pesquisador, considero mais importante buscar o encadeamento e pontos em comum, dessas várias idéias.
Para Winnicott, o ambiente humano é fundamentalmente o grande responsável por sua capacidade em facilitar ou não, o amadurecimento emocional e biológico da criança. Entenda-se como ambiente, todas as provisões "suficientemente boas", que facilitam ao bebê o seu progresso na jornada do desenvolvimento emocional. "Prover para a criança é por isso uma questão de prover o ambiente que facilite a sua saúde mental individual e o desenvolvimento emocional." - "O ambiente e os Processos de Maturação" - pg 63 - Artmed Editora - Porto Alegre - 1983". Quando Winnicott fala em "provisão" adequada para a criança, inclui o conceito da "mãe suficientemente boa", cuja missão maior está em garantir a "provisão para a saúde": saúde mental e desenvolvimento emocional.
Quando a mãe não é "suficientemente boa", a criança não é capaz de começar a maturação do "ego", comprometendo o seu desenvolvimento que passa a ocorrer de forma distorcida e com problemas, em um momento de vital importância no processo de desenvolvimento. Aqui é muito importante frisar que não é adequado se pensar no bebê, apenas como uma pessoa que sente fome e outras necessidades básicas, que devem ser supridas. Mas sim, como um ser imaturo, que por sua total dependência da mãe e do ambiente, está continuamente a pique de sofrer uma ansiedade inimaginável. É muito importante se ressaltar que quando Winnicott fala sobre falhas no desenvolvimento emocional, não está se referindo e nem contemplando as doenças mentais primárias (aquelas decorrentes de problemas neurofisiológicos: paralisia cerebral, cérebro arterioesclerótico, etc).
De uma forma geral e natural, a ansiedade surge como um mecanismo de defesa, que dependendo da intensidade e do grau de desenvolvimento emocional em que a criança se situa, acarretará em consequências que são classificadas em dois grupos: a) ansiedade de castração - psiconeuroses; e b) ansiedade de aniquilamento, ou ansiedade inimaginável - psicose.
Na ansiedade de castração ou psiconeuroses, a psicanálise considera que a criança tenha atingido um certo estágio de desenvolvimento emocional (genitalidade e complexo de édipo) que lhe permite organizar defesas contra a ansiedade. Essas são as chamadas doenças neuróticas e o grau da doença está relacionado com o seu grau de rigidez. Em outras palavras, esse é o estágio em que a criança já consegue organizar seus desejos amorosos e hostis, em relação aos seus pais. Em termos de desenvolvimento emocional, isso já é muita coisa e está implícito que a personalidade do indivíduo está intacta, ou em termos de desenvolvimento, que a personalidade foi construída e mantida e que a capacidade para se relacionar com o mundo está preservada. Por essa razão as neuroses estão relacionadas às pessoas ditas como "normais".
Quando ocorre ansiedade de aniquilamento e não a ansiedade de castração, ocorre uma inundação de impulsos e sentimentos que não podem ser controlados, organizados e descarregados pelo "ego" da criança, devido a sua imaturidade e incapcidade. Se o ambiente através do "ego auxiliar" da "mãe suficientemente boa", também não proporcionar ao bebê uma forma de organização e auxílio para que a descarga ocorra, a ansiedade inimaginável se estabelece.
A ansiedade inimaginável é descrita por Winnicott nas variedades: 1) Desintegração; 2) Cair para sempre; 3) Não ter conexão alguma com o corpo; e 4) Carecer de orientação. As falhas que podem gerar a ansiedade inimaginável, produzem uma reação demasiado forte na criança, que corta a continuidade existencial. Dependendo do tempo e da intesidade, a ausência de continuidade existencial torna-se um padrão de desfragmentação do ser. A esquizofrenia e a personalidade esquizoide possuem uma forte relação com essas falhas.
Esse complexo e dinâmico processo possue forças que se confrontam e operam dentro do "self", produzindo uma infinidade de tensões que irão produzir o amadurecimento. Em condições normais o "self" nunca deve ser submetido à realidade externa para manter sua integridade. Isso significa que em termos de saúde mental, o conteúdo maior, a essência do sujeito, deve se preservar e não sucumbir ao mundo externo. O "self", que expressa toda a potencialidade do indivíduo, nunca deve ser submisso às questões sociais, preservando e enriquecendo a personalidade, sendo sempre "verdadeiro". Somente o "self" verdadeiro pode se sentir real, preenchido e pleno. Para lidar com os aspectos externos e ser protegido, surge um "falso self", que se constroi na base da submissão. O "falso self" e sua função defensiva do "self verdadeiro" pode estar associado com o conceito de saúde mental, mas sua existência não pode se sobrepor ao verdadeiro "self". Quando o "falso self" é tratado como real, há um crescente sentimento de futilidade, vazio e desespero por parte do indivíduo. É a partir desse ponto que prossigo na próxima semana.
A ansiedade fora de controle e a responsável por muita coisa ruim. Os adultos que sofrem de ansiedade já possuem maturidade emocional, embora já sejam adultos? De acordo com o texto, acho que os adultos muito ansiosos nao sao emocionalmente maduros e isso faz muito sentido. Nas brigas de casal ou no trabalho, vejo atitudes que nao podem ser de gente madura... Muito difícil o seu texto, mas muito interessante e esclarecedor.
ResponderExcluirObrigada
Denise Ruiz
A psicose se inicia com um sentimento de ansiedade descontrolado. Um medo que o bebezinho nao da conta tem uma consequência terrível. Como a mãe pode ajudar? Pode-sr perceber isso de alguma forma?
ResponderExcluirObrigada
Eva
A ciência reconhece que o conhecimento de si através da religião ajuda muito para se enfrentar a ansiedade? E nos casos de pessoas que são diagnosticadas como loucas, o que a psicologia fala sobre espíritos obsessores?
ResponderExcluirabraço
Cabral
O sentimento de "vazio" é o sentimento de coisa oca, de coisa não preenchida, de que falta alguma coisa. Essa sensação tem sido muito comum em minha vida... Entendi que a personalidade quando está desorganizada e fragmentada,deixa essa sensação horrível. Isso pode ser mudado depois que ficamos adultos? Vamos preencher com o que, se quase tudo não tem mais graça? Por que a análise e até mesmo os remédios não são tão eficientes algumas vezes? O que se pode fazer?
ResponderExcluirMaria de Lourdes