sexta-feira, 8 de julho de 2011

A água do paraíso

Harith, o Beduíno, e sua esposa, Nafisa, indo de um lugar para o outro, erguiam sua tenda esfarrapada onde quer que encontrassem tamareiras, ervas para alimentar seu camelo ou um poço de água salobra. Esta vinha sendo sua forma de vida por muitos anos e Harith raramente variava sua rotina diária: caçando ratos para aproveitar-lhes a pele, trançando cordas de fibras de palma que vendia aos caravaneiros que por ali passavam.
Um dia contudo surgiu um novo manancial no areal e Harith levou um pouco daquela água aos lábios. Teve a impressão de estar provando a verdadeira água do paraíso, pois era muito menos suja do que aquela que estava acostumado a beber. A outros teria parecido desagradavelmente salgada.

- Devo levar isto à alguém que irá apreciá-lo - disse Harith.

E foi assim que partiu rumo a Bagdá, em busca do palácio de Harun el-Raschid, viajando sem deter-se a não ser para mastigar algumas tâmaras. Harith levou consigo dois odres de couro cheios daquela água: um para ele e outro para o califa.

Dias depois chegou a Bagdá e se dirigiu logo ao palácio. Ali os guardas ouviram sua história e, somente por ser esta a norma usual, deixaram-no participar da audiência pública de Harun el-Raschid.

- Comendador dos crentes - disse então Harith, - eu sou um pobre beduíno e conheço todas as águas do deserto, embora saiba pouco acerca de outras coisas. Acabo de descobrir a água do paraíso e, julgando-a uma oferenda digna de vós, vim logo oferecê-la.

Harun, o íntegro, provou da água e, como compreendia seu povo, ordenou aos guardas palacianos que levassem Harith e o mantivessem detido por algum tempo, até tornar conhecida sua decisão sobre aquele caso. Depois chamou o capitão da guarda e lhe disse:

- O que para nós não é nada, para ele é tudo. Potanto devem levá-lo deste palácio durante a noite. Não deixem que veja o poderoso Tigre. Escoltem-no até sua tenda no deserto, sem permitir que prove água doce. Então dêem mil moedas de ouro a ele, juntamente com meus agradecimentos por seu serviço. Digam-lhe que é o guardião da água do paraíso e que distribua gratuitamente, em meu nome, a todos os viajantes.

("A Água do paraíso" - Histórias da Tradição Sufi - Rio de Janeiro - 1993 - Edições Dervish, página 104.)

3 comentários:

  1. cada 1 sabe do sabor que sua experiencia tem na vida...

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  2. Boa essa analogia! Quando nos fechamos para o compartilhamento de idéias e de valores, podemos estar perdendo a chance de perceber o quanto "nossa água está salobra".

    abraço

    Kleber

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  3. Adorei! Na área de tecnologia está cheio de gente "vendendo água salobra" como "água do paraíso"... E o pior é que todo mundo acredita!!

    Marina

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