sexta-feira, 1 de abril de 2011

"Dois Lados" ou a crença no que vemos ou queremos ver...


Os mantos coloridos dos dervixes, desenhados com propósito de ensino e as vezes imitados como mera decoração, foram introduzidos na Espanha, na idade média, da seguinte forma: um rei cristão que gostava de desfiles pomposos e também se orgtulhava de seu saber filosófico, pediu a um sufi, conhecido como El-Agarin, que o iniciasse em sua ciência.

- Nós lhe oferecemos observação e reflexão - disse-lhe El-Agarin. - Mas antes deve aprender toda a extensão do seu significado.
- Já sabemos como prestar atenção. Temos estudado bastante, através de nossa tradfição, todos os passos preliminares para chegar ao conhecimento - disse o rei.
- Muito bem - respondeu El-Agarin. - Durante o desfile de amanhã daremos uma demonstração de nosso ensinamento para Vossa Majestade.

Fizeram-se os preparativos, e no dia seguinte os dervixes do "ribat" (centro de ensino) de El-Agarin desfilaram pelas ruas estreitas da cidade andaluza. O rei e seus cortesãos estavam postados em ambos os lados do trajeto: os nobres à direita, os cavaleiros à esquerda.
Quando a procissão terminou El-Agarin se dirigiu ao rei e disse:

- Por favor, majestade, pergunte aos fidalgos do lado esquerdo de que cor era o manto dos dervixes.

Todos os cavaleiros juraram pelas escrituras e por sua honra que as vestimentas eram azuis.
O rei e os nobres se mostraram surpresos e confusos. Aquela não era, de modo algum, a cor que tinham visto.

- Todos nós vimos perfeitamente que usavam mantos castanhos - disse o rei. - E entre nós há homens muito respeitados, homens de grande santidade e fé.

O rei ordenou então que todos os cavaleiros se preparassem para ser castigados e degradados. Os que tinham visto os mantos castanhos foram separados: seriam premiados. O processo durou algum tempo, findo o qual o rei disse a El-Agarin:

- Que feitiçaria você fez, homem malvado? Que atos do demônio são os seus que podem fazer com que os fidalgos mais honrados do cristianismo neguem a verdade, abandonem suas esperanças e traiam nossa confiança, ficando incpacitados para a batalha?
- Na metade visível do lado em que estávamos - disse o sufi - os mantos eram de cor castanha. Na outra metade eram de cor azul. Sem preparação, sua predisposição o induz a enganar-se a si mesmo e a interpretar-nos mal. Como podemos ensinar a alguém nestas circunstâncias.

("Dois Lados" - Histórias da Tradição Sufi - Rio de Janeiro - 1993 - Edições Dervish, página 197.)

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