Sempre que recebo uma criança
como paciente, condiciono meus serviços à participação ativa do grupo familiar
nas sessões de psicoterapia. A participação dos papéis de pai, mãe e filho ou
filha no processo terapêutico, são fundamentais para que qualquer coisa que
seja feita tenha um caráter elaborativo e distensionador. Procuro
manter o mesmo princípio nos casos em que recebo pacientes maiores de idade,
mas com algum tipo de transtorno mental que cause sofrimento, tanto no
indivíduo como também em seu grupo familiar. Reconheço que nestes casos é muito
mais difícil conseguir a participação da família. Há um equivocado senso
comum de que somente o "portador" de algum distúrbio ou sofrimento é
que deve se submeter à psicoterapia. Parto do princípio de que, quando alguém se
encontra doente, todo seu grupo familiar também está comprometido de alguma
maneira. Infelizmente, o ambiente social em que participamos é muito pouco
cooperativo para mudar essa situação. Cada vez mais temos menos tempo para
escutar, compartilhar e compreender. Tento aqui justificar a importância da
participação direta ou indireta da família, em qualquer processo terapêutico.Os
termos: transtorno, perturbação, disfunção e distúrbio, são utilizados pela
psicologia e psiquiatria para descrever anormalidades, sofrimento ou
comprometimento de ordem psicológica e mental. Os transtornos mentais são
a expressão de nossa incapacidade para lidar e elaborar o sofrimento psíquico.
Invariavelmente a origem destes transtornos encontra-se na depressão infantil
básica: frustrações, aspirações, doenças, birras, medos, sentimento de
culpa patológico, inibições, etc. Aquele que está sofrendo com algum transtorno
mental, normalmente possui uma visão irreal e diferente da de seu grupo familiar,
intensificando a falta de comunicação e desajuste. É neste momento que o
sujeito experimenta a vivência de falta de controle sobre si, vivenciando um
caos interno que produz enorme sofrimento e desespero.
A psicologia social define a família como um grupo primário que está presente
em todas as formas de organização social. Malinowski (Bronislaw Kasper Malinowski –
pensador polonês fundador da antropologia social – 1884 / 1942) insistia na impossibilidade de se imaginar
qualquer forma de organização social em que a estrutura familiar não estivesse
presente. Trata-se do "primeiro grupo" de cada indivíduo, acrescido
dos laços de parentesco, embora isso às vezes não ocorra. A família
é o primeiro modelo e o sustentáculo da organização social, principal
unidade de convivência e interação entre as pessoas. Através da dinâmica de
três papéis básicos (pai, mãe e filho), a família tem a
responsabilidade pela socialização do indivíduo, construindo uma base que
lhe permita uma adaptação ativa à realidade da vida. Entende-se por
adaptação ativa a capacidade de ser modificado pelo ambiente e, ao mesmo
tempo, também ser um agente modificador do ambiente.Num ambiente facilitador e
generoso, o grupo familiar pode possuir uma boa rede de comunicação que se
desenvolve natural e eficazmente. Os indivíduos são modificados e, ao mesmo
tempo, são agentes modificadores em seu meio mais íntimo. Cada membro tem um
papel específico atribuído, mas com um alto grau de plasticidade que lhe
permitirá assumir outros papéis funcionais em situações emergenciais ou de
exceção. Isso com a confiança, o aval e o reconhecimento de todos os outros
membros. O exercício contínuo dessa vivência motivadora é o solo fértil do
desenvolvimento da autoconfiança e do sentimento de segurança. A
ansiedade global do grupo familiar é distribuída de maneira adequada e sadia,
facilitando para que seus membros lidem com suas diferenças culturais e
biológicas. Essa dinâmica produz a matéria-prima necessária para a construção e
desenvolvimento da identidade própria. Nesse ambiente facilitador, a
espontaneidade e a criatividade podem surgir como poderosas e fundamentais
ferramentas, sempre que as situações imprevistas e as dificuldades da vida surgirem. Aqui
se trata de um grupo familiar aberto à comunicação e à aprendizagem
social.
O dia-a-dia de um mundo ansioso, violento e muito
pouco generoso contribui para que as vias de comunicação do grupo familiar
sejam prejudicadas: falta de tempo, de convívio, de conversa, de amor, de
paciência, de comer junto etc. Quando a comunicação é interrompida ou
prejudicada, a aprendizagem e a interação são estruturalmente perturbadas. A
ansiedade global da família acaba sendo mal distribuída e, invariavelmente, assumida por algum membro. Com a intenção inconsciente de manter o grupo, este
membro assume um novo papel, tornando-se o porta-voz ou o depositário da
ansiedade global do grupo familiar. Em outras palavras, assume
inconscientemente o papel de "bode expiatório", transformando a falta
de comunicação e a ansiedade global do grupo em transtornos, em doença. A
estrutura grupal sofre alterações profundas, ocorrem perturbações no sistema de
criação e distribuição de papéis, instala-se uma certa insegurança social e aparecem
os mecanismos de segregação do "doente". Qualquer pessoa
pertencente a um grupo familiar, que esteja sofrendo de algum transtorno mental
(ansiedade, depressão, dependência química, psicoses etc.), provavelmente será
excluída através de um sutil mecanismo de segregação. Acredita-se que isso
ocorra em função da fantasia de que, com o afastamento desse membro, o grupo
maior também terá afastado de si, o "bode expiatório" e seus
problemas. Aqui o indivíduo é desprovido da confiança e do aval do grupo maior,
medida que desconstrói a identidade do sujeito, abalando sua
autoconfiança. Para se proteger da ansiedade, o grupo familiar passa a ocultar
fatos do sujeito "doente", sem perceber que este é um mecanismo sutil
de segregação, que reforça o seu distúrbio. Os sentimentos de
incerteza, vazio e insegurança estão na base de todos os transtornos
individuais e grupais. Por amor ou por ódio, um sujeito pode adoecer gravemente
pelo, sentimento de insegurança excessivo causado pelo abandono.
Os doentes mentais abandonados nos sanatórios são o maior exemplo para o seu texto. Outros tipos de abandono também podem ser vistos com os jovens que perdem a referencia e podem contar somente com eles próprios.
ResponderExcluirMuito interessante!
Lendo seu texto pude enxergar a trajetória de meu irmão mais novo. Ele já esteve internado em várias clínicas para tratamento de dependência química e toda vez que retorna para casa, acaba voltando para a internação pouco tempo depois. Das últimas vezes, voltou por vontade própria... Deve estar melhorando... ao passo que nossa família...
ResponderExcluirObrigada
Maria Paula
O bode expiatório está presente em todo tipo de grupo. Nas empresas é mais evidente e muito mais fácil de se encontrar o bode expiatório. Esse é o cara que vai perder o emprego em nome de toda uma má administração. Ele leva a culpa por todos e sua demissão serve como purificação do ambiente. Nos últimos 6 meses, vi isso acontecer pelo menos 2 vezes no meu trabalho.
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