O que é a consciência?
Antes de mais nada, acho legal entendermos o que é consciência: dicionário Aurélio - 1.Filos. Atributo altamente
desenvolvido na espécie humana e que se define por uma oposição básica: é o
atributo pelo qual o homem toma em relação ao mundo (e, posteriormente, em
relação aos chamados estados interiores, subjetivos) aquela distância em que se
cria a possibilidade de níveis mais altos de integração. São muitas as visões que a psicologia traz, mas aqui pretendo discorrer sobre a visão junguiana, que é a que mais me identifico. Jung enxergou a consciência como uma pequena parte da psique, ainda em desenvolvimento, ainda muito frágil, mas fundamental para a individualidade do homem (sua identidade) e para o fortalecimento da civilização (tornar possível a vida em sociedade). A ciência estima que a evolução natural da consciência venha ocorrendo de forma vagarosa e também conflitante. Seu estado civilizado tem origens nos tempos da invenção da escrita (4000 AC) e pelo que podemos perceber, ainda há muito o que evoluir. Grandes áreas da mente humana ainda permanecem muito primitivas. Basta entrarmos na internet e verificarmos as notícias que logo concordaremos com essa afirmação.
Pois bem, considerando que a consciência é uma pequena parte da mente humana, é prudente desfazer uma confusão que normalmente ocorre no senso comum: a consciência não pode ser confundida com a psique! A psique diferentemente da consciência, é a totalidade da mente humana. Trabalha todos os aspectos da personalidade: pensamentos, sentimentos e comportamentos, tanto conscientes como inconscientes, é essencialmente simbólica e sua função é regular e estabilizar o sujeito internamente. A psique em toda a sua abrangência, é ainda um grande mistério que precisa de muitos estudos e de muita pesquisa.
Qual é a importância e o papel da consciência?
A grande importância da consciência é a sua capacidade em isolar de forma saudável a maior parte da nossa mente, aquela parte misteriosa que ainda desconhecemos, e que é totalmente simbólica e caótica. Isso permite que possamos nos concentrar em uma coisa de cada vez: aprender, organizar, refazer, criar, produzir e viver em conjunto. Esta é uma conquista indiscutível e fundamental dos indivíduos e do mundo civilizado. Sem isso não haveria civilização e talvez ainda estivéssemos vivendo em pequenas hordas! E o que seria esse isolamento saudável? É a capacidade da consciência através de uma série de processos mentais e emocionais, de organizar, selecionar e lidar com percepções, recordações, pensamentos, sentimentos, intuições, coisas boas ou ruins, tanto do mundo externo (sensorial e consciente) como do interno (emoções e inconsciente). O resultado desse processo saudável, cria os elementos que fortalecem a identidade e a continuidade da pessoa. E o que isso significa? Significa que assim podemos sentir hoje que somos a mesma pessoa que ontem.
O funcionamento desse processo, é para que as experiências que temos se tornem conscientes, combinando informações sensoriais e objetivas do mundo externo, com os conteúdos cifrados e simbólicos do inconsciente. E quanto mais a consciência vai recebendo informações novas (internas e externas), organizando e reorganizando, mais ela se amplia e se fortalece. Isso seria em outras palavras a tal expansão da consciência. E a consciência mais expandida, consequentemente aumenta a força da identidade e consequentemente, o fortalecimento da civilização.
A fragilidade da consciência
A consciência inspira muitos cuidados! Ela ainda é uma aquisição muito recente da espécie humana, muito frágil e está sujeita a perigos e ameaças que podem facilmente lhe causar transtornos. O principal deles é a sua fragmentação: quando não sei mais quem sou e perco a identidade, quando tudo perde o sentido e o significado e como defesa desenvolvemos processos neuróticos. Emoções incontidas e não trabalhadas (que pertencem ao inconsciente), normalmente tem esse poder de prejudicar a consciência. As experiências e a forma como percebemos e sentimos a vida, quando são ruins ou quando consideramos como uma ameaça (angústias, complexos, traumas etc...), podem nos fazer sofrer em excesso. Como defesa, tiramos da frente para escapar do sofrimento. Fazemos isso recalcando esses acontecimentos no inconsciente pelo simples fato de ainda não caberem na consciência. Em outras palavras, não conseguimos lidar com esse sofrimento conscientemente. Não damos conta de conscientemente, sequer olhar para eles. Então acabamos “esquecendo” deles e, na verdade nós não esquecemos, apenas tiramos da consciência jogando-os para o inconsciente. Uma vez no inconsciente, esses sentimentos e memórias não desaparecem, continuam lá, latentes, influenciando nosso estado de espírito, comportamentos e nossa vida em geral.
Nos
casos mais graves, dependendo da predisposição da pessoa e da carga energética
e simbólica do conteúdo recalcado e reprimido, essas forças podem atuar para danificar e
dissociar a consciência, prejudicando o equilíbrio e a capacidade de se
individuar e continuar. As formas como essa tragédia pode ocorrer, também ainda são cheias de mistérios e de incertezas. Há muito o que se estudar e pesquisar. Em outras palavras, é quando uma pessoa perde a sua alma. Em
saúde mental quando se fala em perda da alma, corretamente logo se faz a
associação direta com aqueles que se tornaram psicóticos e que antigamente
(infelizmente), tinham o destino dos manicômios: Os loucos!
A consciência para ampliar e se fortificar, precisa mais do que a lógica e razão.
Costumamos achar que a consciência precisa única e exclusivamente da razão e dos cinco sentidos para funcionar adequadamente. Embora a razão e uma clara percepção dos sentidos sejam muito importantes, são insuficientes! Jung observou que o ser humano não consegue perceber e compreender por completo, a realidade objetiva a sua volta. Sempre irá precisar intuir outras formas e estratégias para perceber o mundo e a si mesmo. Ou seja, precisa buscar elementos inconscientes e internos para combinar com a percepção sensorial e objetiva externa e, ai sim, ampliar sua consciência, trazendo luz e sentido para aquilo que está experimentando e conhecendo.
Há quem questione: mas para perceber o mundo eu preciso apenas dos meus sentidos e da razão para interpretá-lo. E digo que esse é um grande equívoco! E para me explicar aqui, quero repetir uma frase maravilhosa da escritora Anais Nin: "Não vemos as coisas como elas são, nós vemos as coisas como nós somos." O que poética e lindamente Anais Nin sintetizou numa frase, significa que tudo o que é observado racionalmente pela consciência e pelos sentidos (audição, visão, paladar, olfato e tato), é transposto da realidade objetiva para a mente e se transforma em experiências psíquicas. ou realidade subjetiva.
A realidade objetiva torna-se então, realidade subjetiva. E a subjetividade de uma pessoa é apenas daquela pessoa! Da mesma maneira e ao mesmo tempo, aspectos da experiência que escaparam aos sentidos, também se tornam experiências psíquicas, só que inconscientes. Ficam escondidinhas "embaixo do tapete", sem que tenhamos consciência delas. Só serão percebidas em algum momento de intuição, meditação ou o mais comum, através de sonhos. E surgem sempre como um "segundo pensamento". Não como um pensamento racional e lógico, mas como uma imagem simbólica e aparentemente maluca que não pode ser muito explicada. Não conseguimos explicar com lógica a intuição, a espontaneidade e criatividade.
Em síntese, saúde mental é Consciência e Inconsciente convivendo num estado profundo e equilibrado de interdependência: o bem-estar de um é impossível sem o bem-estar do outro. E é um equívoco considerar que a consciência limite-se a utilizar apenas a lógica e a razão em seu processo.
A consciência é o principal instrumento para o autoconhecimento
A maior parte dos nossos conteúdos emocionais são simbólicos, míticos e inconscientes e sequer temos acesso a eles. Muito pouco sobre como realmente somos está em nossa consciência e sob nosso controle. Ou seja, quase tudo o que fazemos (pensar, sentir, intuir e agir) é totalmente influenciado pelo inconsciente e não passa pela consciência porque costumamos bloquear e evitar. Fazemos isso, na minha opinião, por dois motivos: primeiro por medo desse mundo caótico e assustador que é o inconsciente. É um mundo onde não temos controle do que nos será revelado. E isso é muito assustador. E lidamos com esse medo considerando como bobagens ilógicas ou crendices e superstições, as mensagens enviadas pelo inconsciente que recebemos o tempo todo.
Em segundo lugar, fazemos isso porque desde o período do renascimento, privilegiamos o uso da razão para resolver todos os nossos problemas. Não há dúvida de que a razão foi uma grande conquista do homem para resolver suas dificuldades. A ciência e a tecnologia evoluíram consideravelmente, graças ao método e à razão como ferramentas para equacionar problemas e criar soluções. Quase tudo que podemos usufruir com os avanços da tecnologia e da medicina por exemplo, devemos ao poder do método e da razão.
Mas é preciso admitir que a razão é insuficiente para uma boa compreensão da própria existência e da realidade que se faz parte. Uma pessoa pode ter uma grande capacidade racional de desenvolver métodos e fazer um uso nada edificante disso. Por exemplo: criar armas de destruição em massa, construir fornos para queimar cadáveres de vítimas em larga escala, manipular leis e pessoas em benefício próprio, manipular e desorientar pessoas com fake news em plena pandemia, ou até mesmo preparar armadilhas para atrair e espancar homossexuais. No sentido contrário, há pessoas que simplesmente doam toda sua capacidade, tempo e saúde para indivíduos, organizações ou instituições que usam e abusam enquanto houver o que tirar, até não sobrar nada. Em ambos os casos, claramente não se tem consciência e controle das emoções e das ações.
Não há dúvida nenhuma de que nestes casos temos pessoas com muitos problemas e, aparentemente, com nenhuma disposição para enfrentá-los. Aqui não há expansão da consciência, ao contrário, há um rancor ou uma necessidade para que o mundo fique parado, porque tenho a sensação de que não consigo acompanhar.
Compreender e ter consciência de quais são meus limites e quais são as minhas habilidades, o que verdadeiramente me faz sentir raiva, desprezo, culpa, medo, alegria, motivação, certezas etc, certamente evitaria ou no mínimo ajudaria a evitar as situações acima. Situações onde há o risco da perda da identidade e destruição da civilização e da liberdade.
Talvez a perda da alma seja o aspecto da saúde mental que mais encontremos hoje em dia, nos atos de violência descabida e extrema, racismo, intolerância de toda espécie etc. Reflexão: será que uma pessoa que mate ou abuse de crianças a sangue frio, que espanque sua companheira, ou que detone uma bomba num local cheio de gente, tem realmente consciência?
C.Jung
– “O controle de si mesmo é virtude das mais raras e extraordinárias.”