terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Os Três Surdos


Era uma vez um pastor surdo, surdo como uma porta. Todos os dias ele levava suas ovelhas para pastar ao pé de uma colina e ali ficava o dia todo tomando conta delas, só parando para descansar por volta do meio-dia, quando sua mulher lhe trazia o almoço.
Um dia, porém, o sol já ia alto e nada de aparecer a mulher. Preocupado e com fome, o pastor achou que era melhor dar uma chegadinha até sua casa; mas como, se não podia deixar suas ovelhas sozinhas? Por sorte, olhando em volta, ele viu, não longe dali, um camponês. Esse camponês também era surdo, surdo como uma porta. E estava ali compenetrado, colhendo o milho que plantara, quando viu o pastor aproximar-se gesticulando e falando:
 - Amigo, eu estou com muita fome e preciso buscar meu almoço. Será que você poderia olhar meu rebanho que ali está? É só por alguns minutinhos!
O camponês, é claro, não ouviu nada. Mas supôs, pelos gestos do pastor, que ele lhe pedia algo para comer, para ele e para suas ovelhas, só algumas espigas. Não querendo repartir seu milho, ele respondeu muito sério:
- Não me peça isso, por favor. É melhor ir andando, antes que eu me zangue! Vá, não insista!
O pastor agradeceu-lhe e saiu correndo, pois entendera algo como "Não se preocupe, amigo. Vá, não perca tempo!".
Chegando em casa, descobriu que sua mulher torcera o pé, por isso não fora levar seu almoço. Depois de cuidar dela, comeu alguma coisa e voltou para seu rebanho. Ao pé da colina, as ovelhas pastavam sossegadas; contando-as, o pastor verificou que não faltava nenhuma. Isso o deixou contente e com vontade de agradecer ao camponês o favor que lhe prestara. "Pois ele nem me conhece e foi tão atencioso!", pensou. "Vou mostrar-lhe minha generosidade!" E, escolhendo uma de suas ovelhas, uma pequena que estava com a pata quebrada, colocou-a nas costas e dirigiu-se ao camponês:
- Amigo, muito obrigado por ter tomado conta das minhas ovelhas! Quero recompensá-lo, oferecendo-lhe esta aqui.
Mas o camponês desconfiadíssimo, pensou que ele estivesse insistindo em conseguir seu milho:
- Não, eu já disse que não tenho nada a ver com suas ovelhas. E, se essa ao está pequena porque não come, o problema não é meu.
- Você não quer o meu presente? - tornou, sem entender nada, o pastor. - Ora, vamos, eu insisto, não vai me fazer falta. Aliás, confesso, esta aqui teria mesmo de ser sacrificada; veja sua patinha: está quebrada!
- O quê??? - enfureceu-se o outro. - E você ainda se atreve a me acusar de ter quebrado a pata deste animal? Mas que atrevido!
E investiu contra o pastor, que, ofendidíssimo com a recusa, enfrentou-o esbravejando: 
- Seu orgulhoso! Quem você pensa que é, para rejeitar meu presente? Você vai ver só!
E estavam a ponto de se atracar quando passou por ali um ladrão, que acabara de roubar um cavalo. Pois esse ladrão também era surdo. Surdo como... vocês sabem. Os dois briguentos correram até ele, um gritando mais que o outro, tentando conseguir que alguém resolvesse a disputa. O ladrão, como era de se esperar, não ouviu coisa alguma, mas se assustou com o que pensou entender:
- Como? Vocês vem me dizer que este cavalho lhes pertence? Pois fiquem sabendo que este cavalo não é de nenhum dos dois! Eu acabei de roubá-lo do meu vizinho! Eu sou ladrão, mas sou mais honesto do que vocês!
E partiu também para cima deles, pronto para brigar. Felizmente, neste momento passava pela estrada um velho sacerdote, de hábito preto e barbas brancas. Os três, quando o viram, tiveram a mesma ideia: correr até ele e pedir-lhe que solucionasse a questão. Cada um contou-lhe sua versão do caso e o sacerdote percebeu que tudo não passava de um grande mal-entendido. Mas como desfazer aquela complicação, se os três não podiam ouvir? O sacerdote pensou, pensou, coçou a barba, franziu o cenho, porém nada lhe ocorria.
Enquanto isso, o ladrão achou melhor aproveitar a oportunidade e fugir, sorrateiro, antes que fosse preso; o camponês, impressionado pelo ar sério do sacerdote, também achou melhor sair de mansinho, para não ser admoestado por sua sovinice; e o pastor, por sua vez, temendo uma possível reprimenda daquele santo e severo homem, considerou de bom alvitre voltar às suas pacatas ovelhas.
O sacerdote, vendo desfeita a confusão, sorriu, pensativo. Sem dúvida, naquele dia ele aprendera uma coisa: quando se conversa com surdos, o melhor que se tem a fazer é fingir-se de mudo...

Conto extraído do livro: Novas Histórias Antigas - 9ª reimpressão - página 11 - Brinque-Book, Rosane Pamplona com ilustração de Dino Bernardi Junior.