quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Sentimento de insegurança e falta de autonomia



Uma pessoa insegura desconhece o seu próprio valor e duvida muito de suas possibilidades e habilidades, comprometendo sua capacidade em ser espontâneo, criativo e autônomo. Embora cada pessoa possua uma história e singularidade únicas, o sentimento de insegurança apresenta um traço comum diferenciando-se apenas na intensidade: a percepção distorcida e negativa de si mesmo associada ao sentimento de fragilidade e vulnerabilidade excessivas. Pessoas inseguras (crianças ou adultos) sentem-se vulneráveis, fragilizadas e sem confiança em si mesmo e nos outros com quem convivem e compartilham. As demandas de uma criança são diferentes das demandas de um adulto, mas em ambos os casos os sintomas apresentados são semelhantes: retraimento e isolamento social, funcionando como mecanismos de fuga e defesa. Não é incomum crianças inteligentes e sem nenhum problema neurológico ou cognitivo apresentarem dificuldades em se relacionar com amigos na escola e até mesmo em aprender. Da mesma maneira não é incomum a queixa de adultos que se consideram incompetentes e com muito medo de fracassarem em suas atividades ou relações, por sentirem-se inaptos, despreparados ou de alguma maneira inferiores. Para combater o sentimento angustiante de inferioridade e incapacidade, defesas com aparência e reação oposta ao isolamento também são mobilizadas: ansiedade excessiva, personalidades controladoras, arrogância, paranoia e agressividade. 
Em que momento a insegurança se instala? Por que algumas pessoas são mais inseguras? Compartilho da ideia de que a insegurança surge na mais tenra idade (talvez até durante a vida intrauterina) por aspectos internos da criança (instintos), e seja reforçada por fatores externos da criança (ambiente), nas situações em que as capacidades de adaptação e interação fiquem prejudicadas pela inibição da espontaneidade e criatividade. Essas situações geram entraves do desenvolvimento emocional que com algumas modificações e camuflagens, vão se apresentar na vida adulta quase que da mesma maneira com que se apresentaram na infância.

O processo de desenvolvimento emocional surge desde antes do nascimento e é contínuo, permanecendo durante toda a vida do indivíduo. Por ser contínuo, o adulto sempre pode retomar hoje, aspectos e dificuldades que tiveram origem em seu passado, seja no âmbito interno (instintos), ou externo (ambiente). Os vários estágios deste processo ajudam a observar e compreender razoavelmente as dificuldades que surgem durante a vida das pessoas, bloqueando a capacidade do sujeito em ser espontâneo e criativo para adaptar-se a uma nova realidade. A saúde psíquica depende muito do bom equilíbrio entre estes dois fatores (interno e externo), fundamentais para que o desenvolvimento ocorra e o sujeito possa desenvolver sua autoestima para seguir adiante. A família da criança é o seu primeiro grupo e faz o papel do ambiente externo que porá à prova sua capacidade de adaptação e interação. Aos poucos, se tudo correr bem, o futuro adulto será saudável e capaz de se identificar com grupos cada vez mais amplos e complexos, sem perder o senso de si mesmo e de espontaneidade individual.
O crescimento individual da criança caminha do estágio da dependência para a independência, em direção a autonomia do futuro adulto. A autonomia do adulto depende muito de sua autoestima - aquele amor próprio que se desenvolve através da certeza de que fizemos e fazemos parte, fomos e somos aceitos, fomos e somos amados e, que todos que nos amam torcem por nós e confiam que seremos capazes de enfrentar sozinhos as dificuldades que fazem parte da vida. Ai está a importância do papel dos pais ou cuidadores, como responsáveis diretos em procurar garantir as condições mais adequadas para que o desenvolvimento individual da criança possa ocorrer da melhor maneira possível.

O mundo corrido e materialista de hoje praticamente torna incompatível a disponibilidade dos pais para conviver mais tempo com suas crianças. Ao mesmo tempo cria uma ilusão com função compensatória de que, "condições adequadas" estejam relacionadas apenas com a provisão material: uma boa casa, boa escola, babás 24 horas por dia, cursos de piano, balé, natação, inglês, brinquedos, passeios, etc. Há a ilusão de que se possa proporcionar felicidade e demonstrar afeto, suprindo a criança com todo tipo de necessidade material (muitas vezes em excesso).
Ter roupas, brinquedos, uma boa casa e ir a uma boa escola é muito importante e desejável, mas é apenas um aspecto das obrigações paternas. O desenvolvimento emocional da criança está vinculado principalmente com a experiência de se "estar junto" com ela. A experiência de "estar junto" é vivenciada através do contato direto e cotidiano: colo, brincar junto, mimos, beijos, abraços, broncas, conversas, cócegas, desenhar, pintar, compartilhamento à mesa, cantar, tocar, contar histórias, ouvir histórias, etc. Nenhum objeto de consumo é capaz de substituir esta experiência.
Com a vida tensa e cada vez mais corrida de hoje, não é nada fácil criar este tempo e disponibilidade. Depois de um dia muito cansativo de trabalho, é muito difícil "estar junto" e disponível. É preciso se fazer uma opção firme para se encontrar este espaço  e certamente essa escolha produzirá consequências significativas na rotina e na vida dos pais. Esta é uma aflição muito comum dos dias de hoje e desconheço a existência de uma fórmula de sucesso. Mas se desejamos que nossas crianças tornem-se adultos mais seguros e felizes, é preciso se construir este espaço. Este é um grande desafio e ao mesmo tempo uma grande oportunidade para pais e cuidadores utilizarem sua espontaneidade e criatividade e se adaptarem em uma nova rotina, sem perderem de vista suas necessidades e anseios profissionais.
O lado bom é que a medida em que a criança se desenvolve e conquista aos poucos sua autonomia, escolhas que foram deixadas para um segundo plano podem voltar a ser consideradas. Bônus inegáveis desta opção: a) quando se "está junto" com os filhos tem-se a oportunidade de retornar à própria infância e ao próprio desenvolvimento emocional - Isto sempre traz benefícios e autoconhecimento; b) ter a certeza de que a facilitação do desenvolvimento emocional dos filhos são ingredientes muito importantes e determinantes na formação de um futuro adulto mais humano e mais feliz.  Talvez estes sejam  ingredientes indispensáveis para a construção de um mundo melhor de se viver: mais humano, menos corrido e mais seguro.

Recomendo a leitura do blog OvO http://beabaos.wordpress.com/2013/01/30/mimo/ de Beatriz Antunes, onde este assunto é tratado através da visão de uma mãe que fez a escolha de "estar junto" com sua filha.