quarta-feira, 19 de junho de 2013

"Compreendemos quando fazemos parte do que nos é dito" - Martin Heidegger

A indignação deixou de ser virtual e se concretizou nas ruas! As redes sociais saíram do mundo digital e tomaram praças e avenidas, ameaçando assembleias, prefeituras, sedes dos governos estaduais e congresso. De uma hora para a outra R$0,20 se transformaram na fagulha que reacendeu estopins sociais muito antigos e sempre postergados e ignorados pelos governantes: transporte público caótico, caro, insuficiente, poluidor e de péssima qualidade; um sistema de saúde pública deficitário e incompetente para atender com dignidade, humanidade e qualidade a maior parte da população - filas em hospitais falta de treinamento adequado, falta de profissionais qualificados, falta de atendimento, falta de infraestrutura, etc; educação pública que desmerece e não valoriza professores, funcionários e alunos - falta de vagas, prédios e instalações  em péssimas condições, falta de segurança, falta de treinamento e capacitação para professores e funcionários, salários muito abaixo daquilo que se considera razoável para uma profissão tão importante (qualquer assessor parlamentar ganha muito mais do que um professor...); segurança pública deficitária e incompetente, que não investe adequadamente na formação, capacitação e carreira do policial que teoricamente se expõe para proteger a população - carros de polícia com pneus carecas, armas obsoletas, falta de treinamento e capacitação para o exercício da profissão, salários muito baixos, etc;  um sistema judiciário lento e desigual, que prende e manda soltar de acordo com a capacidade do réu para pagar os honorários dos seus advogados de defesa - bons advogados custam muito e sabem como se utilizar de inúmeros recursos e artimanhas jurídicas para atrasar indefinidamente, ou até mesmo mudar sentenças (os réus do mensalão ainda estão todos soltos e as cadeias estão repletas de gente pobre, que em muitos casos cometeu o crime de roubar para comer... e a qualquer momento você pode ser vítima de assalto e arrastão dentro de um restaurante, ou pior ainda, dentro de sua própria casa).Os motivos e questões sociais são inúmeros e nem me sinto capacitado a falar deles com a propriedade e profundidade que gostaria. Acredito que, além de mim, a maior parte da população desconhece planilhas, fórmulas e métodos técnicos para a realização dos orçamentos pelas instituições responsáveis pelos governos. O que a população percebe não necessita de um grande conhecimento tributário ou de economia: a arrecadação e a destinação dos recursos é historicamente realizada de maneira desigual, incompetente, autoritária, muitas vezes corrupta e, que sempre exclui a população com seus desejos e necessidades (quem não se lembra da CPMF, do IPVA, etc.?).

A falta de recursos já não é mais desculpa para a falta de ações mais objetivas pelos governantes. A tecnologia permitiu nos últimos anos que os governos municipal, estadual e federal aumentassem significativamente a arrecadação de impostos, mas mesmo assim, quando saímos à rua ou vamos a um hospital, continuamos a ver cada vez mais crianças pedindo esmolas nos faróis, gente morando embaixo de pontes, filas intermináveis de atendimento em hospitais, ônibus e trens lotados, etc... Diante de tanto descaso, brota um forte sentimento de impotência, exclusão e desrespeito!Os governantes estão assustados com a repercussão das manifestações, por não conseguirem entender ou atender de uma só vez a tantas demandas. Chamam a isto de "pauta difusa". São muitas questões trazidas à tona por uma população inteira, de maneira direta, não editada e formatada por lideranças ou instituições. É um movimento totalmente "horizontal", que foge ao tradicional modelo "vertical", normalmente representado através da liderança dos partidos políticos. Pessoas que tentam utilizar bandeiras de partidos políticos são vaiadas e instigadas a não utilizarem nenhum símbolo. As pessoas que estão protestando nas ruas não possuem líderes, por não se sentirem representadas por nenhuma liderança instituída. Ao contrário, sentem-se usadas e desrespeitadas pelas instituições. Suas insatisfações e demandas são extravasadas diretamente, sem intermediários. Quando digo isto, reitero aqui que sou totalmente contra qualquer forma de violência. Não aprovo e não sou solidário às cenas de violência descabida da polícia, registradas nos primeiros dias dos protestos, e nem do vandalismo que infelizmente acompanhou muitos momentos importantes do movimento. Caminhando juntos nas ruas, existem grupos pró-aborto, ao lado de grupos anti-aborto. Grupos de policiais, de professores, de bombeiros, de estudantes, de trabalhadores, aposentados, pais com crianças de colo, idosos, etc. A velha sociologia política é insuficiente para explicar e formatar estes acontecimentos. Trata-se de um novo fenômeno social, que ainda precisa ser compreendido e estudado, mas que certamente influenciará e trará consequências para a forma do estado se relacionar com a população. Muitos políticos ainda não perceberam isso - ontem assisti nos telejornais as declarações de prefeitos que continuam a fazer um discurso "vertical" e de exclusão: "Vou revogar tal lei..." "Vou decretar tal coisa..."  Enquanto isso a população continuava nas ruas, não dando bola e não escutando. A população só irá compreender quando fizer parte da solução.O sentimento de exclusão foi vencido pela capacidade de organização e demonstração de ações concretas das redes sociais. Não é mais possível os governantes tomarem decisões sem ao menos se preocuparem com a repercussão de suas atitudes. Já o sentimento de impotência, este foi agora transferido para os governantes. Somente a ajuda da população poderá devolver a estabilidade e a capacidade do governo agir com verdadeiro espírito democrático e credibilidade.