sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

A sina da repetição... "Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais"


Processos e situações da vida que se repetem de tempos em tempos, que muitas vezes são percebidos como uma sina ou um destino que persegue a pessoa, deixando-a sem saída. O tempo passa e o novo que está para surgir, quando surge, traz consigo uma aparência de novidade, mas uma essência que lembra em muito o velho que já se foi.  Relacionamentos novos que começam com uma aparência diferente e que terminam do mesmo jeito que os anteriores. Trabalhos que parecem diferentes e inovadores, mas que sempre produzem os mesmos resultados A educação dos filhos em que pensamos estar agindo de maneira melhor e diferente, mas quando nos damos conta, estamos repetindo os mesmos erros e acertos de nossos pais. Tragédias causadas pelo descaso das pessoas e das autoridades que deveriam zelar para que não acontecessem nunca mais (mais recentemente Newtown e o incêndio da boate Kiss). Esses são apenas alguns exemplos de situações comuns, que se repetem com frequência na vida privada e coletiva. As pessoas tendem a culpar o próprio "destino", colocando-se como vítimas de algo superior e maquiavélico. Tenho uma convicção diferente: considero que somos os únicos responsáveis por tudo o que ocorre em nossa vida. As repetições e as situações em que participamos, são os frutos que colhemos de nossas intenções inconscientes. Num voo cego e mecânico, provocamos repetições quase que fidedignas de situações já vivenciadas antes, boas ou ruins. O curioso é que procuramos não repetir as situações que causaram grande desconforto, mas quando nos damos conta, já estamos muito envolvidos em  circunstâncias muito semelhantes, que imaginávamos não passar nunca mais. Em outras palavras, a repetição ocorre na maioria das vezes de maneira inconsciente e não planejada, fora do controle da consciência. E isto não tira a nossa responsabilidade.

Freud e a psicanálise partem do princípio que o neurótico (todos nós) sempre repete - "...representando o que forma o conteúdo concreto de um ato de pensamento e em especial a reprodução de uma percepção anterior." (Vocabulário de Psicanálise - Laplanche e Pontalis). O psicodrama traz uma visão diferente, mas que complementa bem a visão da psicanálise: considera que tendemos a sempre representar os papeis que estão atrelados ao "drama inconsciente" que cada indivíduo carrega consigo. Pois bem, este drama inconsciente é passível de muitas outras informações que não cabem neste texto. Mas a forma como ele pode se desenrolar, que é através da representação de papeis, sim.  E o que significa o termo "papel"? A definição do termo "papel" segundo o dicionário Aurélio: "Atribuição de natureza moral, jurídica, técnica, etc.; desempenho, função." Em sua leitura e análise sobre "A teoria dos papeis e socionomia", Naffah Neto (Psicodrama - Descolonizando o Imaginário) menciona que o equivalente a papel em francês é o termo rôle, que é derivado etimologicamente do latim medieval rotulus
que significa, de um lado, uma folha enrolada contendo um escrito e, de outro lado, aquilo que deve recitar um ator numa peça de teatro. Se imaginarmos que cada indivíduo constrói e possui seu próprio"rótulo",  podemos dizer que de certa maneira, estamos atrelados a uma forma e a uma maneira "previsível" de se comportar e viver. Este "rótulo" tem grande importância na construção da identidade, que é uma construção dinâmica da unidade de consciência de si, que corresponde a um sentimento subjetivo de permanência e de continuidade. Para "permanecer e continuar", o sujeito precisa da concordância e da validação dos outros sujeitos - precisa ser aceito. Creio que a insegurança e o medo da não aceitação, sejam importantes fatores na dificuldade do sujeito em conseguir abandonar ou trocar os "rótulos" e papeis que lhe causam sofrimento.

O desvendamento do drama inconsciente é a maior e talvez única possibilidade, do indivíduo se livrar dos papeis que não quer mais representar em sua vida. Este é um longo e difícil processo de autoconhecimento, onde a psicoterapia pode ser de grande ajuda.


Bernardo Soares em "O livro do desassossego" descreveu com poesia esta dificuldade: "...estes moços da porta da taberna antiga, esta inutilidade trabalhosa de todos os dias iguais, esta repetição pegada das mesmas personagens, como um drama que consiste apenas no cenário, e o cenário estivesse às avessas… Mas vejo também que fugir a isto seria ou dominá-lo ou repudiá-lo, e eu nem o domino, porque o não excedo adentro do real, nem o repudio, porque, sonhe o que sonhe, fico sempre onde estou."
Curiosamente estou ouvindo neste momento Elis Regina cantar "Como os nossos pais", de Belchior: "Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais."