sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Grupo familiar e transtorno mental



Sempre que recebo uma criança como paciente, condiciono meus serviços à participação ativa do grupo familiar nas sessões de psicoterapia. A participação dos papéis de pai, mãe e filho ou filha no processo terapêutico, são fundamentais para que qualquer coisa que seja feita tenha um caráter elaborativo e distensionador. Procuro manter o mesmo princípio nos casos em que recebo pacientes maiores de idade, mas com algum tipo de transtorno mental que cause sofrimento, tanto no indivíduo como também em seu grupo familiar. Reconheço que nestes casos é muito mais difícil conseguir a participação da família. Há um equivocado senso comum de que somente o "portador" de algum distúrbio ou sofrimento é que deve se submeter à psicoterapia. Parto do princípio de que, quando alguém se encontra doente, todo seu grupo familiar também está comprometido de alguma maneira. Infelizmente, o ambiente social em que participamos é muito pouco cooperativo para mudar essa situação. Cada vez mais temos menos tempo para escutar, compartilhar e compreender. Tento aqui justificar a importância da participação direta ou indireta da família, em qualquer processo terapêutico.Os termos: transtorno, perturbação, disfunção e distúrbio, são utilizados pela psicologia e psiquiatria para descrever anormalidades, sofrimento ou comprometimento de ordem psicológica e mental. Os transtornos mentais são a expressão de nossa incapacidade para lidar e elaborar o sofrimento psíquico. Invariavelmente a origem destes transtornos encontra-se na depressão infantil básica: frustrações, aspirações, doenças, birras, medos, sentimento de culpa patológico, inibições, etc. Aquele que está sofrendo com algum transtorno mental, normalmente possui uma visão irreal e diferente da de seu grupo familiar, intensificando a falta de comunicação e desajuste. É neste momento que o sujeito experimenta a vivência de falta de controle sobre si, vivenciando um caos interno que produz enorme sofrimento e desespero.
A psicologia social define a família como um grupo primário que está presente em todas as formas de organização social. Malinowski (Bronislaw Kasper Malinowski – pensador polonês fundador da antropologia social – 1884 / 1942)  insistia na impossibilidade de se imaginar qualquer forma de organização social em que a estrutura familiar não estivesse presente. Trata-se do "primeiro grupo" de cada indivíduo, acrescido dos laços de parentesco, embora isso às vezes não ocorra. A família é o primeiro modelo e o sustentáculo da organização social, principal unidade de convivência e interação entre as pessoas. Através da dinâmica de três papéis básicos (pai, mãe e filho), a família tem a responsabilidade pela socialização do indivíduo, construindo uma base que lhe permita uma adaptação ativa à realidade da vida. Entende-se por adaptação ativa a capacidade de ser modificado pelo ambiente e, ao mesmo tempo, também ser um agente modificador do ambiente.Num ambiente facilitador e generoso, o grupo familiar pode possuir uma boa rede de comunicação que se desenvolve natural e eficazmente. Os indivíduos são modificados e, ao mesmo tempo, são agentes modificadores em seu meio mais íntimo. Cada membro tem um papel específico atribuído, mas com um alto grau de plasticidade que lhe permitirá assumir outros papéis funcionais em situações emergenciais ou de exceção. Isso com a confiança, o aval e o reconhecimento de todos os outros membros. O exercício contínuo dessa vivência motivadora é o solo fértil do desenvolvimento da autoconfiança e do sentimento de segurança.  A ansiedade global do grupo familiar é distribuída de maneira adequada e sadia, facilitando para que seus membros lidem com suas diferenças culturais e biológicas. Essa dinâmica produz a matéria-prima necessária para a construção e desenvolvimento da identidade própria. Nesse ambiente facilitador, a espontaneidade e a criatividade podem surgir como poderosas e fundamentais ferramentas, sempre que as situações imprevistas e as dificuldades da vida surgirem. Aqui se trata de um grupo familiar aberto à comunicação e à aprendizagem social.

O dia-a-dia de um mundo ansioso, violento e muito pouco generoso contribui para que as vias de comunicação do grupo familiar sejam prejudicadas: falta de tempo, de convívio, de conversa, de amor, de paciência, de comer junto etc. Quando a comunicação é interrompida ou prejudicada, a aprendizagem e a interação são estruturalmente perturbadas. A ansiedade global da família acaba sendo mal distribuída e, invariavelmente, assumida por algum membro. Com a intenção inconsciente de manter o grupo, este membro assume um novo papel, tornando-se o porta-voz ou o depositário da ansiedade global do grupo familiar. Em outras palavras, assume inconscientemente o papel de "bode expiatório", transformando a falta de comunicação e a ansiedade global do grupo em transtornos, em doença. A estrutura grupal sofre alterações profundas, ocorrem perturbações no sistema de criação e distribuição de papéis, instala-se uma certa insegurança social e aparecem os mecanismos de segregação do "doente". Qualquer pessoa pertencente a um grupo familiar, que esteja sofrendo de algum transtorno mental (ansiedade, depressão, dependência química, psicoses etc.), provavelmente será excluída através de um sutil mecanismo de segregação. Acredita-se que isso ocorra em função da fantasia de que, com o afastamento desse membro, o grupo maior também terá afastado de si, o "bode expiatório" e seus problemas. Aqui o indivíduo é desprovido da confiança e do aval do grupo maior, medida que desconstrói a identidade do sujeito, abalando sua autoconfiança. Para se proteger da ansiedade, o grupo familiar passa a ocultar fatos do sujeito "doente", sem perceber que este é um mecanismo sutil de segregação, que reforça o seu distúrbio. Os sentimentos de incerteza, vazio e insegurança estão na base de todos os transtornos individuais e grupais. Por amor ou por ódio, um sujeito pode adoecer gravemente pelo, sentimento de insegurança excessivo causado pelo abandono.