Era uma vez uma rainha
cujo marido havia morrido quando seu filho tinha somente cinco anos. Ela foi
então nomeada regente do reino até que seu filho completasse 18 anos e fosse
capaz de governar.
O único
"defeito" da rainha era que amava demasiadamente seu filho, Hasan, e
lhe permitia fazer qualquer coisa que desejasse. E assim, apesar de ser uma boa
monarca, seu filho ficava mais e mais teimoso e cheio de caprichos à medida que
crescia.
Um dia a rainha chamou
seu grão-vizir e lhe disse:
- Diga-me francamente
o que posso fazer com meu filho. É insolente, orgulhoso e muito difícil de
controlar. Que posso fazer para corrigir os seus defeitos agora, antes que seja
demasiado tarde?
O vizir respondeu:
- Coloque o príncipe
aos cuidados de um mestre, e assim ele poderá adquirir sabedoria.
- Onde há um mestre
que possa ajudar meu filho? - perguntou a rainha.
- Neste momento se
encontra na cidade um velho homem sábio que dirige Al Azhar, a universidade do
Islã. Irei falar-lhe, direi que o príncipe necessita de seu ensinamento, e
talvez ele queira vir.
- Traga-o
imediatamente, se puder - disse a rainha.
Então o vizir partiu,
e logo retornou com o mestre, que tomou o príncipe sob seus cuidados.
Todos os dias o ancião e
o menino se sentavam para estudar e ler.
O mestre lhe contava
das maravilhas do mundo, da sabedoria do sagrado Corão e da ciência exata da
álgebra.
Todas as semanas a
rainha mandava buscar o mestre e perguntava:
- Como está
progredindo meu filho?
O mestre sacudia a
cabeça e se retirava.
Um dia a rainha lhe
perguntou: - Meu filho agora está progredindo, mestre?
- Ele ainda não
aprendeu que um príncipe precisa ser humilde, que um rei é um servidor de seu
povo e que não há poder a não ser em Deus.
- O que podemos fazer?
- perguntou a rainha.
- Majestade, deixe-me
levá-lo para viajar comigo - disse o mestre. - Se estivermos mais perto da
natureza, talvez isso modifique o seu caráter.
A rainha aceitou e os
dois partiram vestidos com roupas simples como as que usam os andarilhos.
No fim do primeiro dia
de viagem, quando se sentaram para fazer café ao lado de um pequeno fogo, dois
pássaros apareceram como do nada, pousaram sobre o alforje do ancião e
começaram a gorjear.
- Faz muito tempo que
aprendi a linguagem dos pássaros - disse o mestre, - mas agora me arrependo de
tê-lo feito.
- Por quê? - perguntou
o príncipe.
A princípio o mestre
não queria explicar a Hasan o que os pássaros haviam dito, mas o menino
insistiu tanto que afinal ele falou:
- O primeiro pássaro
estava dizendo que no tempo em que fores rei haverá grande regozijo entre os
pássaros que comem frutas, pois os jardins e os hortos serão abandonados e os
pássaros poderão alimentar-se em paz. Ninguém os incomodará porque todo o povo
destas terras terá ido embora. Ninguém quererá viver sob um reinado tão
impopular.
- Que dizia o outro
pássaro? - perguntou Hasan.
- O segundo pássaro
disse que ele também ficará contente, pois haverá muitos gafanhotos para comer.
Não haverá gente suficiente para atear fogo nos campos e afugentar os
gafanhotos quando eles chegarem - foi a resposta do mestre.
No dia seguinte
chegaram a um oásis onde os camelos estavam bebendo. Quando os viajantes
tiraram seus cantis os camelos começaram a fazer ruídos, como resmungos, entre
si. O ancião sorriu ao escutá-los.
- O que estão dizendo
os camelos? - perguntou o príncipe.
A princípio o mestre
não quis responder, mas Hasan insistiu e finalmente conseguiu que falasse:
- Eles estão
se queixando porque quando fores rei haverá tanta gente aqui dando de
beber aos animais e preparando-se para abandonar o país para viver em outro
lugar que será muito difícil para eles virem beber - disse o mestre.
O príncipe e
o ancião seguiram viajando por alguns dias até que pararam ao pé de uma
montanha muito alta onde, sobre uma ponta rochosa, havia um ninho de filhotes
de águia.
Ao aproximarem-se,
puderam ouvir a águia piando a seus filhotes, e o ancião traduziu:
- Ela está dizendo a
seus jovens filhos que quando ficarem adultos e tu estiveres no trono, deverão
caçar ovelhas nos reinos vizinhos, pois as daqui estarão magras e fracas. As
cobras e as lagartixas tomarão sol entre as ruínas da tua capital, e a grande
mesquita estará vazia às sextas-feiras, quando tu fores rei. A menos...
O mestre parou de
falar, mas Hasan lhe disse:
- Por favor, dize-me o
que disse a águia.
- Ela disse que se
corrigires tua conduta agora, e melhorares dia a dia, então teu nome será
querido e teu reino será grande e feliz.
O príncipe não falou,
mas o mestre viu que ele estava refletindo sobre tudo o que havia ocorrido.
- Voltamos agora ao
palácio para continuarmos com nossos estudos? - perguntou o mestre.
Hasan concordou.
Regressaram pelo
mesmo caminho que tinham ido, e o mestre se alegrava em ver que seu
aluno era a cada dia mais amável e reflexivo. Finalmente Hasan parecia haver
compreendido o que significavam suas lições e agora realmente se esforçava por
aprender.
O ancião foi ver a
rainha e falou:
- Agora eu posso
partir, pois o príncipe está se preparando para transformar-se em
rei. Será um bom soberano, porque agora sabe que antes de poder governar os
outros, ele deve ser capaz de governar a si mesmo.
A rainha encantada
ofereceu-lhe um posto na corte, mas ele disse:
- Não. Tenho que
continuar o meu caminho, pois ainda tenho muito trabalho a fazer.
Quando chegou o tempo
em que se tornou rei, Hasan recordou as coisas que seu mestre havia lhe
ensinado, e governou bem e sabiamente até o final de sua vida.
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O conto acima foi escolhido e vivenciado por integrantes de grupo de
psicoterapia, com o objetivo de trabalhar a dificuldade em se ter e, impor limites. Inicialmente as personagens foram vivenciadas e dramatizadas,
tal como a história acima. A partir de um determinado ponto, a história foi sendo
reescrita e refeita, de acordo com a realidade, contornos e desejos do grupo.
Esta publicação e explicação foi um pedido dos integrantes, como forma de
compartilhar o que consideraram ser uma experiência rica e esclarecedora.
("O
príncipe, o mestre e a águia" - Histórias da Tradição Sufi - Rio de
Janeiro - 1993 - Edições Dervish, página 53.)