sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Newtown, mais uma tragédia



Na última sexta pela manhã, quando cheguei à padaria que costumo frequentar para tomar meu cafezinho expresso da manhã, havia um silêncio diferente no ambiente. As pessoas quase não falavam e olhavam atentamente para o aparelho de TV preso no teto. Já tinha visto esta cena antes: um silêncio incomum dos frequentadores, um clima de medo e inconformação. Mais uma vez as pessoas olhavam incrédulas para a televisão, à espera de algo muito ruim. As cenas que mostravam a polícia cercando as instalações da escola Sand Hook, causavam calafrios. O canal de televisão fazia tomadas aéreas da escola e do seu entorno, enquanto esperava por informações novas e conclusivas. O repórter repetia as mesmas frases o tempo todo, como se estivesse fazendo um grande esforço para acreditar que, mais uma vez, alguma pessoa maluca e fora de controle, possivelmente houvesse assassinado pessoas inocentes.  Naquele momento ninguém sabia se alguém havia morrido, se crianças tinham sido atingidas, quem era o autor dos disparos e se ele ainda estava vivo. Só se sabia que havia ocorrido um tiroteio dentro de uma escola cheia de crianças entre 5 e 10 anos e que esse era um mau presságio. Mau presságio porque a memória dos atentados ocorridos em Hungerford / Inglaterra (1987 - 16 mortos), Dunblaine / Escócia (1996 - 16 mortos), Columbine (1999 -13 mortos), Osaka / Japão (2001 - 8 mortos), Virginia Tech (2007 - 33 mortos), Noruega - Ilha de Utoeya (2011 - 85 mortos), Escola Tasso da Silveira no Rio de Janeiro (2011 - 12 mortos), Cinema Aurora no Colorado (2012 - 12 mortos), e muitos outros, ainda assombram por sua difícil digestão e compreensão. Como aceitar que alguém empunhe uma arma e covardemente atire em pessoas desarmadas e que sequer estavam preparadas para enfrentar tal situação. Como entender que alguém mate covardemente crianças pequenas? Como entender que essas coisas puderam acontecer?
Mais tarde os maus presságios se confirmaram: 27 mortos, sendo que 20 eram crianças entre 5 e 7 anos de idade, além da própria mãe do assassino, morta em sua casa. Um fato em comum de todas estas tragédias que me chamou a atenção: as vítimas são em sua grande maioria crianças e jovens em idade escolar. Posso estar enganado, mas não me lembro de ter acompanhado ou escutado de nenhum especialista, tanto da área de segurança como principalmente da área psiquiátrica, alguma menção sobre esse aspecto. O foco das preocupações esteve e está sempre com as questões sobre a necessidade do controle de armas de fogo, além da importante necessidade da constatação da "loucura" do atirador assassino.
Estas preocupações são pertinentes e muito necessárias, mas considero estes caminhos insuficientes e estreitos para trazer alguma luz e esperança sobre este assunto. Realmente nós precisamos de que haja um maior controle sobre o comércio de armas de fogo e avaliação e qualificação de seus consumidores. Mas esta é uma discussão longa e que exige muito amadurecimento. De um lado existem aqueles que são totalmente favoráveis ao desarmamento (onde eu me incluo). De maneira resumida este grupo acredita que uma arma de fogo é um bem de consumo, cuja única maneira de ser consumido, é usando-se a arma. Ou seja, atirando em alguma coisa ou em alguém. Portanto, o seu uso traz mais malefícios do que benefícios.
Do outro lado existem pessoas que defendem o armamento e se justificam dizendo que, se nos locais dos atentados houvesse pessoas armadas, os atiradores teriam sido coibidos de alguma maneira. É um argumento que tem certa lógica, mas fico pensando se eu matricularia minha filha de 4 anos em uma escola cheia de seguranças armados... Penso que enquanto sociedade, não amadurecemos este assunto suficientemente para tirarmos qualquer conclusão objetiva e útil.
Por outro lado procura-se por uma melhoria nos métodos de diagnóstico para identificação de pessoas potencialmente perigosas. Embora considere que de alguma maneira esse esforço possa trazer benefícios, honestamente eu não acredito que isso seja eficiente ou possível. Da forma e modelo como ocorrem hoje, nossos diagnósticos serão tardios na maioria das vezes. Ainda sabemos muito pouco sobre a sanidade das pessoas e corremos o sério e muito provável risco de cometer equívocos e injustiças. Medicar e controlar pessoas potencialmente perigosas, passa pelo crivo de uma decisão clínica, que no modelo atual é tomada por uma única pessoa: o médico responsável pelo tratamento do indivíduo. Qualquer profissional de saúde que já tenha atuado em instituições psiquiátricas, já se defrontou com pacientes inadequadamente hiper-medicados.


Tragédias como a de Newtown ocorridas nos últimos 25 anos e em vários lugares do mundo, são notoriamente um importante e emergente assunto de saúde pública. Acredito que a tentativa de compreensão destes fatos, através da ótica da psicologia social e de grupos, talvez possa acrescentar alguma luz e ajuda. Observar com profundidade o traço comum de que as vítimas eram crianças e jovens em idade escolar, já nos dá uma razoável indicação por qual caminho começar. É obvio que algo muito relevante e importante está acontecendo no processo de educação e formação das crianças. Não podemos esquecer que os atiradores eram em sua maioria, jovens que voltaram para suas escolas para praticar os assassinatos. Não podemos considerar somente o transtorno e a doença do atirador ou de um possível atirador em potencial! Ninguém está totalmente isolado e de alguma maneira, o ambiente do atirador (sua casa, sua escola e sua cidade), também está doente. Um ambiente "adoecido" costuma apresentar sinais que podem ser percebidos com alguma brevidade, proporcionando a utilização de medidas preventivas. Pelo foco social, a antropologia sócio-médica precisa se reciclar e ampliar suas formas de atuação. O desenvolvimento de grupos interdisciplinares para estudar este assunto, são uma excelente alternativa, porque não se restringem em procurar e identificar somente "uma pessoa" potencialmente perigosa. Toda a história de um determinado grupo virá à tona, permitindo uma maior e melhor compreensão das incontáveis causas que podem gerar uma tragédia. Um grupo interdisciplinar combina conhecimentos e técnicas, trabalhando num conceito horizontal. O modelo atual é vertical e normalmente está vinculado ao saber médico, que está no topo desta hierarquia. Considero insuficiente e até injusto, se levar em conta apenas a opinião de um médico, ou de um psicólogo, ou de um psiquiatra, para determinar se alguém pode vir a ter um comportamento potencialmente perigoso. Tudo o que se sabe até hoje, é insuficiente para nos dar esta certeza. Num processo de trabalho compartilhado, abrangente e responsável, muito provavelmente outras causas normalmente geradoras de comportamentos potencialmente perigosos, poderão vir a ser consideradas como prioritárias e urgentes.
O grande grupo humano precisa buscar se enxergar mais enquanto grande grupo, onde todos nós dependemos de todos nós, sem exceção. Desde quando optamos por viver de maneira civilizada, não é possível se viver sozinho e isolado. Ninguém consegue ou pode fazer isso. Nem mesmo o ermitão.  Quando verdadeiramente nos enxergamos como participantes de um grande grupo,  procuramos por respostas práticas e objetivas para aquilo que nos aflige. Essa simplicidade de atuação passa longe do pieguismo e da superficialidade. Por que tanta violência? Por que alguns de nós são ou se tornaram tão violentos? Como podemos evitar que isso aconteça de novo?
Gostaria de ter publicado mais um conto sobre o natal e sobre renovação, mas este triste assunto não saiu da minha cabeça e do meu coração. Precisava compartilhar de alguma maneira. Desejo a todos um feliz natal e um ano novo cheio de saúde, com muitas respostas práticas e muita ação realizadora.