quarta-feira, 30 de maio de 2012

Ser espontâneo é estar "presente"

Em minha última postagem escrevi sobre a teoria da espontaneidade de Moreno e do psicodrama, além do que considero uma aproximação desse conceito com o trabalho clínico que venho fazendo. Fiquei feliz por ter recebido muitos comentários, a maior parte deles veio através de e-mails, e outros que foram postados diretamente no blog. Considerei necessário continuar com o assunto para buscar responder e completar algumas questões que de alguma forma chamaram a atenção. Pretendia responder diretamente, em cada comentário, mas achei mais adequado e mais completo prosseguir com o texto e espero que essa forma saia a contento.


A teoria da espontaneidade de Moreno não é em hipótese alguma um valor absoluto. Ao contrário, é uma bela e interessante tentativa de organizar e sistematizar o "ser-em-situação" que está mergulhado nas mais diversas e dinâmicas formas de experiência. O sujeito despojado de sua força espontânea e criadora fica reduzido a uma mera engrenagem ou peça, um autômato que repete valores e comportamentos estereotipados. Essa condição normalmente produz sofrimento através de um sentimento de vazio, de impotência e de inutilidade. A espontaneidade quando age, faz o sujeito presente nas situações afetivas e sociais de sua vida, tornando-o agente ativo do próprio destino. Alfredo Naffah Neto em seu maravilhoso livro: "Psicodramatizar", faz uma citação que sintetiza muito bem: " Como uma ponte de ligação entre o presente, o passado e o futuro, entre o real e o imaginário, é sempre através de seus horizontes espacio-temporais e da posição que assume perante o mundo que habita, que se exprime e se realiza uma certa modalidade existencial, uma certa forma de ser."  
A espontaneidade pode se manifestar produzindo criações maravilhosas e inéditas (ações normalmente atribuídas aos gênios), ou simplesmente transformando e dando vida e presença a comportamentos repetitivos do cotidiano. Ser espontâneo não significa "ser o gênio da lâmpada" ou se ter a necessidade de provocar a mudança pela simples mudança. Ser espontâneo significa "estar presente" nas situações da própria vida, transformando adequadamente os seus aspectos insatisfatórios. Em sua teoria Moreno considerou que  a espontaneidade se apresenta através de quatro formas complementares:


a) a espontaneidade que ativa e dá nova cor às conservas culturais e estereótipos sociais. Esse tipo de espontaneidade confere novidade e vivacidade a sentimentos, ações e expressões verbais que nada mais são do que repetições de situações que o sujeito experimentou antes, milhares e milhares de vezes (caminhar, comer, bater papo, etc). Ou seja, nada tem de original ou criador. O que existe de novo aqui é o "sabor especial" que o sujeito atribui a sua vida cotidiana e a sua rotina. Para esse sentimento especial de vivacidade, Moreno deu o nome de: Qualidade dramática do sujeito, que funciona como uma espécie de "energização" e "tonificação" do eu, produzindo um modo genuíno de auto-expressão.
b) a espontaneidade que produz a criação de novas formas de arte e estruturas ambientais. Este sentimento de pura criatividade está totalmente atrelado ao compromisso de se criar novas formas, novas ideias e novas invenções. O sujeito está permanentemente empenhado em produzir novas experiências em seu íntimo, a fim de que elas possam transformar o mundo a sua volta. Como o próprio Moreno enfatizou, o exemplo acima trata de um sujeito idealizado, mas certamente temos vários exemplos de verdadeiros "gênios", na história.
c) a espontaneidade que atua na formação de livres expressões da personalidade. Aqui a originalidade do sujeito atua na produção e expansão daquilo que já existe e não é novo, mas que ganha uma nova cor e se expande. Moreno cita como exemplo os desenhos das crianças e a poesia dos adolescentes, que acrescentam algo novo à velha forma original, sem lhe modificar a essência.
d) a espontaneidade que produz respostas adequadas a novas situações. Uma pessoa pode ser criativaoriginal dramática, mas não necessariamente produzir uma resposta adequada à situação que está vivenciando. Quando se fala em "resposta adequada", se está querendo dizer "resposta adequada" à situação em que se está inserido. Moreno cita vários exemplos: um incêndio, um assalto, uma emergência qualquer em que salvar a própria vida é o que existe de mais adequado. Nesses casos a espontaneidade faz uso da inteligência, do senso de oportunidade, da memória do sujeito (conservas), da originalidade e do bom-senso para a escolha adequada. "É uma aptidão plástica de adaptação, mobilidade e flexibilidade do eu, indispensável a um organismo em rápido crescimento num meio em rápida mudança." - Psicodrama, pg. 144 - Cultrix - 1975 Moreno, Jacob L. 


O "ser-em-situação" está sempre em movimento. Assim, o corpo do sujeito é o veículo motor de sua espontaneidade. Esse processo tem início na infância, quando a criança se identifica com o adulto e representa ludicamente o seu papel. Moreno chamava essa "conquista" da criança como "função psicodramática" - capacidade de jogo simbólico onde inverte papéis com os pais e descobre, através da vivência, a rede dos papéis sociais em que está inscrita a sua identidade. Dessa forma a função psicodramática transforma a espontaneidade, antes apenas uma função adaptativa, numa função criativa.