quarta-feira, 25 de abril de 2012

Espontaneidade é a capacidade natural de reinventar


Diante de situações e circunstâncias boas ou ruins, tendemos a agir mecanicamente, produzindo respostas semelhantes ou repetidas para as situações do cotidiano. Qualquer bom observador é capaz de reparar que na maior parte do tempo as pessoas tendem a repetir como num ritual, seus comportamentos e emoções. Seja em situações boas ou ruins. "Repetimos" aquilo que já aprendemos na vida para de alguma maneira nos sentirmos seguros e sobreviver - "esse jeito de fazer, de pensar, de sofrer ou de rir" é o "jeito que conheço". Precisamos e contamos com a previsibilidade, como um guia que precisa ser seguido. Mas "segurança" em excesso também traz sentimentos não muito bons: enfado, sensação de estagnação, sentimento de vazio e de perda de tempo, desnorteamento, etc. Exemplos do que estou dizendo não faltam: casamentos e namoros mornos e cambaleantes, empregos ou trabalhos insuportáveis, círculos familiares ou de amizade que não produzem mais prazer, mesmices, etc. O que me chama a atenção é que mesmo diante do vazio causado pela "repetição" constante, insistimos em continuar "repetindo". A necessidade da previsibilidade acaba falando mais alto. Sejam hábitos que precisam ser mudados, sejam relações que precisam se reconfigurar, etc.
Me lembro do tempo em que fazia atendimentos na clínica da faculdade e numa sessão em que fui observado pelo meu orientador (que era psicanalista) através da sala de espelhos, perdi uma enorme oportunidade (certamente pelo meu nervosismo) de apresentar uma interpretação para meu paciente. Tenho certeza até hoje de que o que eu iria dizer àquela pessoa, iria ajudá-la muito naquele momento. Após o atendimento e já na supervisão, expus ao meu orientador o quanto estava chateado pela minha distração. Para minha surpresa ouvi um conselho que se mostra verdadeiro até hoje: " Não se preocupe, nós neuróticos sempre repetimos... e seu paciente não foge à regra... logo, logo você terá a sua oportunidade novamente". E ele estava muito certo!
Mudar não é nada fácil para a maior parte das pessoas. É terrível mudar hábitos, mudar de vida, mudar de emprego, mudar conceitos, mudar de amigos, mudar... Isso normalmente só acontece quando somos empurrados à força pelas circunstâncias. Precisamos de esquemas prontos para seguir adiante e nos sentirmos em segurança. Aprendemos a repetir para sobreviver mas o efeito colateral da repetição produz "conservas" (expressão psicodramática que significa: ficar parado em estado seguro, preservar)  que  escravizam e engessam a capacidade da pessoa em ser flexível e criativa. Parece bastante óbvio que as "conservas" são muito importantes por serem uma espécie de armazém de conhecimento e de aprendizado que funcionam como uma espécie de guia. Mas para viver de maneira criativa e espontânea, é preciso ousar e se permitir a um certo grau de novidade e de flexibilidade para o novo. O novo produzirá novos conhecimentos e novos "jeitos de ser e fazer", aperfeiçoando ou até mesmo modificando o conteúdo armazenado nas "conservas". No momento da criação do novo, ocorre de uma certa maneira um rompimento com aquilo que já está estabelecido e determinado pelas "conservas". Caso contrário o novo não surgiria. A evolução do conhecimento científico é um ótimo exemplo: novos achados surgem e complementam ou até mesmo substituem o que já se sabia.

O rompimento dessas "conservas" se dá através de movimentos espontâneos e criativos, que produzem respostas novas e adequadas, para questões e aflições antigas. A espontaneidade, a flexibilidade e a experiência vivida, trabalham juntas como forças criativas e transformadoras da realidade, produzindo novos conceitos, novos olhares, novos comportamentos e atitudes, etc. Não é possível ser espontâneo sem ser flexível e sem "experimentar na prática". Penso que é neste ponto que a maioria das pessoas estancam na busca pelo novo e tendem mais facilmente a repetir e a não mudar. Se um indivíduo conhecer de antemão a espécie de situação que vai encontrar quanto a sua forma, tempo, consequências e lugar, o espaço para a espontaneidade deixará de existir. Como já disse antes, é natural que busquemos a segurança da previsibilidade. Mas o que ocorre na maior parte das vezes é que buscamos a previsibilidade através de uma  fantasia de que podemos prever e controlar tudo. E isso não é possível. Essa é uma das principais características da ansiedade. Há uma feliz  frase de Mao Tsé Tung que exemplifica muito bem: "Para adquirir conhecimentos é preciso participar na prática que transforma a realidade. Para se conhecer o gosto de uma pêra, é preciso transformá-la, comendo-a."

A espontaneidade se manifesta como que por instinto, de forma não racional ou premeditada. Creio que o "ser espontâneo" e criativo está mais atento ao "aqui e agora", livre para a experiência nova que está inserido e, menos atento às suas fantasias de previsibilidade. Um jogo de futebol pode ser um bom exemplo: Trata-se de um jogo que existe a mais de cem anos, com praticamente as mesmas regras, a mesma bola, o mesmo formato, o mesmo jeito. No entanto de tempos em tempos, surge um novo jogador que simplesmente transforma esse jogo velho de maneira imprevisível. Onde à princípio, tudo é previsível, surge algo novo e inédito. Todos param para assistir e se encantam.
O psicodrama de Moreno bebeu muito do conhecimento do filósofo francês  Henri Louis Bergson, que acreditava na "experiência imediata e na intuição" como verdadeiras ferramentas de compreensão da realidade, mais do que a razão e a previsibilidade da lógica científica. Begson dizia que: "a percepção "mergulha no real através de suas raízes profundas", em que a realidade não será construída ou reconstruída, mas tocada, penetrada, vivida" Moreno dizia que a razão e a lógica estavam "engessadas" pelas leis universais que procuram explicar a realidade de maneira previsível e fixa: "Um certo grau de imprevisibilidade dos eventos futuros  é uma premissa em que deve se assentar a idéia da espontaneidade. O futuro pertence ao acaso..." Em outras palavras, não podemos controlar o futuro ou as pessoas (a fantasia mais presente na ansiedade), podemos apenas viver e experienciar um dia de cada vez. Alguns casos de depressão e ansiedade que tenho acompanhado no consultório e que tem apresentado um desfecho positivo e de alguma melhora perceptível dos pacientes, levam a um questionamento quase que rotineiro, realizado de várias maneiras mas sempre com o mesmo sentido e conteúdo: "Por que estou me sentindo bem melhor se nada mudou na minha vida? Será que estou melhor mesmo?" E minha resposta tem sido com frequência, sempre a mesma: "Creio que o que mudou não foi a sua vida, e sim você e a forma de vivencia-la".