sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O ciúme

“Nunca amamos alguém. Amamos tão-somente, a idéia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso – em suma, é a nós mesmo – que amamos. Isto é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma idéia nossa.” Fernando Pessoa

O ciúme é um sentimento natural e reativo a alguma ameaça que se perceba, da perda em relação a algo que seja considerado valioso e importante. Numa relação em que haja ciúme existem no mínimo três personagens: o sujeito ativo do ciúme que é a pessoa que sente ciúme, o sujeito analítico do ciúme que é a pessoa de quem se sente ciúme e, o "terceiro" que é o responsável pelo motivo do ciúme. Entender o ciúme é uma tarefa difícil e que depende muito da disponibilidade do sujeito em procurar dentro de si, as fronteiras entre um sentimento natural e instintivo e, fora de si em situações objetivas que justifiquem a angústia de seus sentimentos de desconfiança (o cabível e o incabível). Caso essas fronteiras sejam ultrapassadas, o sentimento de ciúme pode se agravar e tornar-se patológico na forma de obsessão e paranóia. A psicanálise diz que o ciúme possessivo tem suas origens na primeira infância, quando a criança sente-se ameaçada pela presença dos irmãos ou do pai, em relação ao seu sentimento de amor pela mãe. Através dessa linha de pensamento, nas situações em que de alguma maneira "passamos mal" por esta fase, o ciúme do adulto ivariavelmente ultrapassará as fronteiras entre a reação natural e o impulso patológico. Quando isso ocorre tem-se como resultado situações de muito sofrimento e limitação para os sujeitos envolvidos: limitação da liberdade, falta de confiança em si e no outro, auto-estima precária, etc.
O ciúme patológico é caracterizado pelo desejo de controle total sobre os sentimentos e comportamentos do parceiro ou parceira. Pesquisando sobre o assunto encontrei relatos de atitudes e comportamentos caóticos de pacientes, que servem como bons exemplos do sentimento de ciúme patológico:  verificar se a pessoa está onde e com quem disse que estaria, abrir correspondências, ouvir telefonemas, examinar bolsos, bolsas, carteiras, recibos, telefone celular, computador, roupas íntimas, seguir o companheiro(a), contratar detetives particulares, etc. Todas essas ações são tentativas de aliviar a angústia provocada pelo sentimento de ciúme fora de controle, que normalmente tem como resultado a permanência do mal estar da dúvida. Isso significa que o "estado de vigilância" permanente causado pelo ciúme patológico, jamais se dissolve. A resolução dessa dificuldade passa necessariamente pela busca de ajuda especializada.


Muitas outras questões acabam se misturando e desaguando equivocadamente na vala comum do sentimento de ciúme. Culturalmente consideramos que a fase do namoro seja o ápice do prazer de uma relação, que já está fadada a morrer após o casamento. Acredita-se que toda a magia dos tempos de namoro irá desaparecer quando as dificuldades da vida real e da convivência do casal, forem postas à prova na rotina e no cotidiano. A paixão, o amor e a vontade de estar junto deixarão de ser os sentimentos básicos da convivência do casal, para transformarem-se em inércia, tédio e conveniência. O sentimento de amor é sempre uma idealização e uma fantasia que sucumbe ao teste de realidade da vida em comum. A convivência e a proximidade com o outro, nos faz enxergar seus defeitos, decepcionando-nos e desfazendo a fantasia. E pensando dessa maneira, a única solução seria ficar longe para "naõ se decepcionar" e preservar a idealização e a fantasia. Mas talvez amar não seja deixar de enxergar os defeitos do companheiro(a), mas sim compartilhá-los e, sinceramente, torná-los parte ativa e até mesmo divertida da relação. Os problemas da vida são reais e contundentes, não tendo nada de idealização ou atração romântica. Cuidar dos filhos, da sobrevivência, das doenças, das dívidas, dos problemas que a convivência cria e das regras diárias que temos que minimamente cumprir, são necessidades imperiosas. Enxergo como etapas que precisamos passar, se o bom senso se fizer presente. Por exemplo, não é recomendável que se tenha uma intensa vida noturna em uma fase em que os filhos sejam de colo ou muito pequenos. É a fase do casal  "lamber a cria" e isso alterna (como tudo), momentos bons e inesquecíveis, com momentos muito exaustivos e tensos. Isso não irá durar a vida inteira, nem uma coisa e nem outra coisa. Simplesmente irá passar e deixar muitas lições. Infelizmente o mundo de hoje cria a falsa necessidade de que precisamos de "novidade" o tempo inteiro e, que essa novidade está sempre "lá fora". Talvez a "novidade" seja sempre um exercício de descoberta de si mesmo, frente as novas situações que a vida apresenta. Por essa razão acredito que o cotidiano e a rotina não precisam necessariamente ter o caráter de afastar o casal de sua relação íntima. Como neuróticos que somos, por definição amamos a repetição porque é nela que nos sentimos seguros.

Claro que uma relação pode simplesmente acabar e nesses casos, a saúde e a sanidade está justamente no fim dessa relação. O mesmo mistério que faz duas pessoas se apaixonarem, pode fazer com que essa paixão termine. Ninguém pode controlar esses sentimentos, mas isso não pode ser confundido com a falta de cuidados básicos que uma relação necessita no dia-a-dia, para poder sobreviver. Tenho uma teoria antiga de que a sinceridade é uma ferramenta fantástica para lidar com o sentimento de tédio e as consequências do sentimento de ciúme. Fiquei feliz em encontrar uma recente pesquisa americana sobre casais heterossexuais que praticam suingue e a forma como procuram lidar com o desgaste de suas relações e o sentimento de ciúme. Através dessa pesquisa também encontrei interpretações de vários tipos de abordagens psicológicas, etre elas um texto de Contardo Caligaris: (Visser e McDonald, no “British Journal of Social Psychology” (vol. 46, nº 2, junho 2007): “Swings and Roundabouts: Management of Jealousy in Heterosexual Swinging Couples” (suingue e carrosséis: administração do ciúme em casais heterossexuais que praticam o suingue). (Ai vai o link para quem quiser saber mais: http://sro.sussex.ac.uk/1576/)
Entre os resultados encontrados está que a sinceridade nesse tipo de relação funcionou como um belo antídoto contra a corrosão criada pela convivência, imposta pela rotina e pelas dificuldades da vida em comum e ou individuais dos parceiros, a ponto de tolerarem as aventuras sexuais de ambos, fora do casamento. A força do envolvimento afetivo sobre o sexual foi permitida e admitida pela predominância da sinceridade entre esses casais. Nestes casos o parceiro(a) foi sempre o primeiro(a) a saber e esse sentimento de prioridade garantiu a suprioridade do envolvimento afetivo sobre o envolvimento sexual com outros. Uma das sensações mais difíceis e aflitivas nos casos de infidelidade, é que o(a) amante sabe do companheiro(a), mas este não sabe do amante. A prova que a sinceridade foi muito eficaz está em inferirmos que, se um amante souber que sua performance foi discutida durante o café da manhã, ele provavelmente desaparecerá.