quinta-feira, 28 de abril de 2011

Moral e educação - Aprender e Ensinar

A moral e a educação são valores que recebemos de nossos pais ou cuidadores, desde o momento do nascimento. Durante a infância esses valores criam raízes muito complexas que normalmente determinam a forma da personalidade, do comportamento, do jeito de sentir e da capacidade de se relacionar o futuro adulto. O adulto continua recebendo influências e novos valores, mas lidará com eles de acordo com o grau de amadurecimento emocional que possui.  Esses valores são variáveis e estão vinculados à cultura, ao tempo e ao local onde se nasceu e/ou se vive. Embora haja diferenças muito grandes entre as diversas culturas existentes, curiosamente há uma enorme semelhança entre todas elas: a natureza humana e sua necessidade em sobreviver, se organizar e coexistir. Podemos dizer que é um potencial da natureza humana o indivíduo possuir uma capacidade para ser educado. Mas esse processo terá sucesso se o ambiente for suficientemente bom em propiciar as condições que possibilitem coisas como: confiança e "crença em" e idéias de certo e errado que devem se desenvolver através da elaboração dos processos internos da criança. A psicanálise chama isso de: "evolução de um superego pessoal." Em poucas palavras, superego é um conceito introduzido por Freud sobre a instância psíquica que atua nos indivíduos, como juiz e censor, na consciência moral, na auto-observação e na formação de ideais.

Pois bem, a moral e os valores precisam ser transmitidos para a criança, que precisa elaborar e desenvolver internamente o conteúdo recebido. Em outras palavras, a educação precisa ser compartilhada entre pais e filhos. Somente assim esse conteúdo terá validade futura. O que irá garantir essa elaboração pela criança, é o ambiente suficientemente bom. Não é possível incutir à força, valores ou crenças em coisa nenhuma. Isso não é educação, é violência. A criança precisa "confiar" e "crer" em quem está lhe ensinando algo. A confiança vem do ambiente, do gesto, da aceitação da dúvida, do bom-humor, da firmeza quando necessário, do sim, do não, da coerência de atitudes, da generosidade e principalmente, do exemplo dado. Na verdade a educação moral não funciona se a criança não tiver desenvolvido dentro de si própria, por um processo natural de desenvolvimento, a essência daquilo que lhe está sendo ensinado. Quando esse processo é bem sucedido, o futuro adulto será maduro emocionalmente. O amadurecimento emocional é o responsável: pela tolerância, generosidade, cuidado com o outro, com o estabelecimento tranquilo de limites, a capacidade de estar só, a capacidade de ouvir não, a capacidade de sentir culpa e o desejo de reparação.

Para falar de moral e educação é preciso se abordar a capacidade de socialização do ser humano.
Já disse aqui inúmeras vezes que não vivemos e não podemos viver sozinhos. O bicho-homem é basicamente um ser-social, um ser-em-relação. O ambiente neo-liberal em que vivemos tem sido o grande responsável em infundir a falsa idéia de que somos sujeitos isolados e "independentes". Há um grande reflexo desse falso conceito nas escolas e na educação de hoje. A cultura da "alta performance nas escolas" submete as crianças a uma enorme pressão, com uma agenda pesadíssima, repleta de compromissos. O objetivo maior é prepará-las para competir e conquistar um "bom lugar" no mundo corporativo futuro. Resta saber: a que preço? Honestamente eu tenho medo dos resultados que teremos no futuro. Disponibilizo aqui o link dessa boa reportagem da Folha de São Paulo: http://www1.folha.uol.com.br/saber/862572-sucesso-nos-eua-documentario-faz-critica-a-cultura-da-alta-performance-nas-escolas.shtml
tratando de um assunto que acredito ser muito importante para quem tem filhos em idade escolar.
A maior parte das pessoas que vive essa ilusão, descobre a duras penas e com muito sofrimento, que são mais "dependentes" do que desejaríam. Somos indivíduos sim, mas nossa constituição é mesclada pela convivência, pelo compartilhamento e pela capacidade de aprender e ensinar.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Dependência e Independência

Somos dependentes e independentes ao mesmo tempo, pelo simples fato de não podermos viver sozinhos! O "bicho homem" vive em sociedade e compartilhar faz parte de sua sobrevivência física, moral e psíquica. O forte desejo das pessoas em serem ou tornarem-se "independentes" em relação à problemas que enfrentam em seu dia-a-dia, normalmente torna-se uma importante fonte de angústia. Neste sentido, "independência" torna-se um sinônimo de "livrar-se de alguma coisa que traz sofrimento": relações conjugais que estão em seu final, empregos que já não trazem mais prazer para a pessoa, processos que envolvem longas esperas, etc. Não é incomum encontrarmos pessoas que chegam a adoecer quando enfrentam esse tipo de processo. O curioso é que ao mesmo tempo em que procuramos "livrar-nos" e tornarmo-nos "independentes" daquilo que "neste momento" nos traz sofrimento, sem perceber, estabelecemos outras relações de "dependência" que irão trazer alívio e bem-estar, para "esse momento": um novo emprego, um(a) novo(a) companheiro(a), novos processos, etc. Trata-se de um paradoxo absolutamente normal e corriqueiro na vida de qualquer pessoa. A diferença pode estar na forma e na maneira que normalmente se procura enfrentar essas crises. O modo mais comum é o simples desejo de livrar-se da angústia do "velho", a qualquer preço. Nessa ânsia repete-se o mesmo modus operandi de sempre na construção de novas relações, onde os problemas de "ontem", provavelmente se repetirão "amanhã".

A capacidade de entender que somos dependentes e independentes ao mesmo tempo, está diretamente relacionada a maturidade emocional do indivíduo. E a maturidade emocional não está relacionada apenas com o indivíduo - ela também está necessariamente relacionada com a capacidade do indivíduo em socializar-se. Socializar-se é a capacidade do indivíduo em identificar-se com o "outro", sem sacrifício demasiado de sua espontaneidade pessoal. Em outras palavras, o "adulto" maduro emocionalmente é capaz de satisfazer suas necessidades pessoais sem esquecer que o "outro" existe e que pode ser afetado positiva ou negativamente por suas escolhas, assumindo a total responsabilidade por seus atos. Uma sociedade saudável , tanto no nível maior de sociedade como no nível de uma simples associação, é formada por indivíduos amadurecidos emocionalmente. D.W.Winnicott menciona que "saúde mental é a mesma coisa que amadurecimento emocional". Em sua teoria, considera que para atingir o amadurecimento emocional a criança passa por três categorias: 1) dependência absoluta - quando o bebê depende totalmente de sua mãe para sua provisão física; 2) dependência relativa - o bebê já possui um repertório próprio que lhe permite interagir por conta própria; 3) rumo à independência - a criança torna-se gradativamente capaz de se defrontar com o mundo e todas as suas complexidades.

Considero que esses estágios se repetem na vida do adulto, toda vez em que ele se depara com as dificuldades inimagináveis que a vida proporciona: alguém que perde o emprego de uma hora para a outra, ou é vítima de alguma tragédia pessoal, ou se depara com traições inimagináveis ou qualquer outra, circunstância inesperada, boa ou ruim. Nessas horas é absolutamente normal e legítimo nos sentirmos desesperados. Com maturidade percebemos imediatamente que precisamos de ajuda e passamos a depender. Aos poucos vamos ganhando força e conquistamos a capacidade de olhar para o problema sem tanto medo e sem tanta dependência, para finalmente superar e ir adiante. O processo de busca pela independência que trará o alívio esperado é fundamental. Porém, será um alívio duradouro e saudável, se for conquistado com equilíbrio e maturidade.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Ansiedade

"A ansiedade é um sinal de alerta, que adverte sobre perigos iminentes e capacita o indivíduo a tomar medidas para enfrentar as ameaças que está sofrendo. O sentimento de medo é uma resposta para uma ameaça conhecida e  definida; ansiedade é uma resposta para uma ameaça desconhecida, vaga, que ainda está "para surgir". A ansiedade prepara o indivíduo para lidar com situações que podem ser danosas, como punições ou privações, ou qualquer ameaça a unidade ou integridade pessoal, tanto física como moral. Desta forma, a ansiedade prepara o organismo a tomar as medidas necessárias para impedir a concretização desses possíveis prejuízos, ou pelo menos diminuir suas conseqüências. Portanto a ansiedade é uma reação natural e necessária para a auto-preservação. Não é um estado normal, mas é uma reação normal, assim como a febre não é um estado normal, mas uma reação normal a uma infecção."
Em outras palavras, ansiedade significa "medo antecipado", com a finalidade de auto-proteção. A grande dificuldade é se estabelecer com a mesma clareza, uma explicação plausível para surtos de ansiedade em adultos, sem nenhuma causa aparente, sem nenhuma forma de controle e com efeitos devastadores na saúde geral da pessoa acometida: insônia psicofisiológica, enurese, problemas digestivos, gastrite, pânico, estresse, etc.  A ansiedade é considerada normal na infância e está associada ao amadurecimento emocional e ao consequente desenvolvimento da capacidade da pessoa em lidar com as situações desestabilizantes da vida. Falhas ou interrupções no processo de amadurecimento emocional, causadas normalmente por questões ambientais (o ambiente como facilitador do desenvolvimento emocional da criança), pode estar associado ao surgimento, mais tarde, na vida adulta, da ansiedade patológica. O tratamento psicológico da ansiedade pode ser visto como uma tentativa de "retomada" do desenvolvimento emocional, com o propósito de facilitar o surgimento de uma nova significação para os fatores emocionais desestabilizadores. Esse "retorno" é a oportunidade da pessoa se deparar com suas questões e resolvê-las de forma segura e efetiva, através da criatividade e espontaneidade - surgirão respostas novas para questões antigas.

As pessoas que normalmente procuram por ajuda psicológica para tratar a ansiedade já passaram por vários tipos de tratamentos. O mais comum é o medicamentoso que, muitas vezes produz a ilusão de que somente o "remédio" irá trazer alívio e resolver os problemas. Com a remissão dos sintomas indesejados e, dependendo do tipo de medicação ministrada, a pessoa passa a "depender" do remédio para poder seguir adiante. Esse é o grande risco de se tratar um surto de ansiedade ou outros problemas emocionais, considerando-os através da ótica do diagnóstico, que considera apenas fatores orgânicos. Dependendo da gravidade do caso, um médico que esteja mais familiarizado com a psicologia iria contentar-se em manter o caso em observação e acompanhamento e, não fazer nada, a não ser colocar-se como amigo e recomendar psicoterapia para seu cliente. Ele saberia que frustrações, desapontamentos e perdas são desequilíbrios emocionais que dependem única e exclusivamente da própria pessoa para serem verdadeiramente superados. Hoje em dia existem muitas discussões teóricas encaminhadas, que já reconhecem o valor da psicoterapia realizada em conjunto com o tratamento medicamentoso. Colhi alguns exemplos descritos por D.W.Winnicott ("Da Pediatria à Psicanálise, Obras Escolhidas", Imago Editora, 2000, Rio de Janeiro, pg.59): "Se a enurese é entendida como um distúrbio da glândula tireóide ou pituitária, permanece a questão dos motivos pelos quais essas glândulas são afetadas com tanta frequência desta maneira. Se o vômito recorrente é explicado por meio da bioquímica, fica faltando perguntar: que motivos levam esse equilíbrio bioquímico a sofrer tais perturbações, quando sabemos que, ao que tudo indica, que os tecidos vivos tendem a estabilidade?"
É óbvio e claro que na maioria das vezes a pessoa irá precisar de apoio e ajuda psicológica, para conseguir atravessar esses momentos difíceis da vida. Mas é preciso ficar claro que a verdadeira superação dos problemas só será realizada pela própria pessoa. Entre outras coisas, a ajuda do psicoterapeuta consiste em "estar junto", ser "continente" e "ser um facilitador" para que a pessoa tenha a oportunidade de vivenciar suas dificuldades em um "ambiente recriado" e, possa dar um novo significado à aquilo que lhe traz sofrimento.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

"Dois Lados" ou a crença no que vemos ou queremos ver...


Os mantos coloridos dos dervixes, desenhados com propósito de ensino e as vezes imitados como mera decoração, foram introduzidos na Espanha, na idade média, da seguinte forma: um rei cristão que gostava de desfiles pomposos e também se orgtulhava de seu saber filosófico, pediu a um sufi, conhecido como El-Agarin, que o iniciasse em sua ciência.

- Nós lhe oferecemos observação e reflexão - disse-lhe El-Agarin. - Mas antes deve aprender toda a extensão do seu significado.
- Já sabemos como prestar atenção. Temos estudado bastante, através de nossa tradfição, todos os passos preliminares para chegar ao conhecimento - disse o rei.
- Muito bem - respondeu El-Agarin. - Durante o desfile de amanhã daremos uma demonstração de nosso ensinamento para Vossa Majestade.

Fizeram-se os preparativos, e no dia seguinte os dervixes do "ribat" (centro de ensino) de El-Agarin desfilaram pelas ruas estreitas da cidade andaluza. O rei e seus cortesãos estavam postados em ambos os lados do trajeto: os nobres à direita, os cavaleiros à esquerda.
Quando a procissão terminou El-Agarin se dirigiu ao rei e disse:

- Por favor, majestade, pergunte aos fidalgos do lado esquerdo de que cor era o manto dos dervixes.

Todos os cavaleiros juraram pelas escrituras e por sua honra que as vestimentas eram azuis.
O rei e os nobres se mostraram surpresos e confusos. Aquela não era, de modo algum, a cor que tinham visto.

- Todos nós vimos perfeitamente que usavam mantos castanhos - disse o rei. - E entre nós há homens muito respeitados, homens de grande santidade e fé.

O rei ordenou então que todos os cavaleiros se preparassem para ser castigados e degradados. Os que tinham visto os mantos castanhos foram separados: seriam premiados. O processo durou algum tempo, findo o qual o rei disse a El-Agarin:

- Que feitiçaria você fez, homem malvado? Que atos do demônio são os seus que podem fazer com que os fidalgos mais honrados do cristianismo neguem a verdade, abandonem suas esperanças e traiam nossa confiança, ficando incpacitados para a batalha?
- Na metade visível do lado em que estávamos - disse o sufi - os mantos eram de cor castanha. Na outra metade eram de cor azul. Sem preparação, sua predisposição o induz a enganar-se a si mesmo e a interpretar-nos mal. Como podemos ensinar a alguém nestas circunstâncias.

("Dois Lados" - Histórias da Tradição Sufi - Rio de Janeiro - 1993 - Edições Dervish, página 197.)