segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A serpente

Certa vez um caçador passava por uma mina quando viu uma serpente presa sob uma pedra enorme. Ao vê-lo a serpente pediu:
- Por favor, ajude-me. Levante a pedra.
- Não posso ajudar você, pois vai me devorar com certeza - respondeu o caçador.
O réptil tornou a pedir ajuda, prometendo ao homem que não o comeria. Ele então libertou a serpente, que logo fez um movimento em sua direção como se fosse atacá-lo.
- Você não prometeu que não me comeria se a ajudasse? - perguntou o homem.
- Fome é fome - respondeu-lhe a serpente.
- Mas - disse o caçador - se você faz alguma coisa errada, que tem a fome a ver com isso?
O homem então sugeriu que submetessem o assunto à opinião de outros. Entraram no bosque, onde encontraram um cachorro. Perguntaram-lhe se achava que a serpente deveria comer o homem.
- Uma vez pertenci a um homem - disse o cão. - Ele caçava lebres e sempre me dava a melhor carne para comer. Agora que estou velho e nem posso apanhar uma tartaruga, ele quer me matar. Assim como recebi mal em troca de bem, a serpente deveria fazer a mesma coisa. Declaro que ela deveria comer você.
- Você ouviu sua sentença - disse a serpente ao homem.
Decidiram porém que ouviriam três opiniões e não apenas uma, e seguiram adiante. Pouco depois encontraram um cavalo e lhe pediram que julgasse o caso.
- Acho que a serpente deveria comer o homem - disse o cavalo, e continuou: - Certa vez tive um amo. Ele me alimentou enquanto eu podia viajar. Agora que estou fraco e não posso executar minhas tarefas, ele quer me matar.
- Já temos dois juízos unâmines - disse a serpente.
Um pouco mais adiante cruzaram com uma raposa.
- Cara amiga - disse o caçador, - preciso da sua ajuda. Estava passando por uma pedreira quando vi esta enorme serpente às portas da morte, presa sob uma enorme rocha. Pediu-me que a libertasse; fiz o que pedia, e agora ela quer me comer.
- Se devo dar minha opinião - respondeu a raposa, - voltemos ao lugar do ocorrido para analisar a situação de modo mais real.
Voltaram a pedreira e a raposa, para reconstituir os fatos, pediu que a pedra fosse colocada em cima da serpente. Assim foi feito.
- Era assim que você estava? - perguntou a raposa.
- Sim - respondeu a serpente.
- Muito bem - disse a raposa. - Ficará assim pelo resto da vida.

("A Serpente" - Histórias da Tradição Sufi - Rio de Janeiro - 1993 - Edições Dervish, página 238.)