quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Redes Sociais e Relações Comunitárias

Estamos assistindo na TV, rádio e na internet, on line, os últimos acontecimentos que estão ocorrendo no mundo árabe, trazendo profundas transformações , antes impensáveis. Aparentemente esses eventos se iniciaram no Egito e agora se espalharam por diversos países. O caso mais estridente é o da Líbia, governada com mão-de-ferro a mais de 30 anos, por um único homem. A primeira estratégia do governo foi fazer uso da força bruta, com o exército atirando, ferindo e matando manifestantes desarmados. Mesmo assim as pessoas continuaram e continuam nas ruas, protestando. Depois tentaram "desligar" a internet e mesmo assim o resto do mundo continuou e continua recebendo vídeos e imagens dos protestos, que revelam a imensa brutalidade dos governantes. A partir disso o chamado "mundo civilizado" reagiu e passou a emitir mensagens de protestos contra a ação dos governantes líbios. Os próprios países árabes através de seu "Conselho", suspenderam a Líbia de suas reuniões, até que todas as exigências dos manifestantes sejam atendidas pelo governo. O que está acontecendo? Como é possível países, governos, empresas e autoridades, não controlarem mais o que as pessoas fazem? Recentemente tivemos o caso da prisão em Londres, de Julian Assange (o fundador do site Wikileaks). Assange ganhou notoriedade por seu site divulgar e publicar informações de teor político, econômico e militar, expondo governos e nações. Em poucas semanas Assange estava solto, graças a uma intensa mobilização jurídica que comprovou que os motivos que o mantinham preso, não se sustentavam. A outra estratégia utilizada pelas autoridades, foi vasculhar sua vida privada e acabaram por encontrar outras razões para mantê-lo preso: coerção, abuso sexual e estupro.

Trazendo esse tema para o enfoque do que estamos procurando tratar, podemos concluir desses acontecimentos que algumas "pessoas comuns" perceberam o "poder" que tinham e simplesmente passaram a exercê-lo. Para relembrar, "poder" significa: "a capacidade de uma pessoa ou de um grupo, para executar uma ação qualquer, ou desmpenhar qualquer prática". Mas para que alguém exerça seu poder, é necessário que sempre hajam outras pessoas, conectadas e interessadas nas mesmas questões. Conectadas e interessadas no que? Através de que? O pano de fundo que permite e favorece esse contato, é a "ideologia" - alguém se conecta com outras pessoas em que sente algum tipo de afinidade e interesse. O meio mais utilizado atualmente, é a tecnologia da internet e as redes sociais. As redes sociais estão repletas de "comunidades" e hoje é inegável o aumento do poder de transformação social que a tecnologia proporcionou. Mas é fundamental se procurar compreender o conceito de  comunidade e a forma como ela pode se estabelecer, para a partir dai enxergarmos com clareza, se realmente fazemos parte de alguma comunidade através das redes sociais. Ações muito transformadoras como os exemplos citados acima, certamente partiram da ação concreta do "poder" individual de muitas pessoas, e não apenas uma pessoa.

As "relações" que embasam uma prática comunitária podem ser as grandes definidoras de uma sociedade verdadeiramente democrática, participativa e igualitária. Aqui estamos dando ênfase para os significados de comunidade e sociedade. Na definição do filósofo alemão Ferdinand Tönnies, "comunidade é uma associação que se dá na linha do "ser", isto é, por uma participação profunda dos membros no grupo, onde são colocadas em comum relações primárias, como o próprio "ser", a própria vida, o conhecimento mútuo, a amizade, os sentimentos. Já a sociedade é uma associação que se dá na linha do "haver" (ou ter), isto é, os membros colocam em comum algo do seu, algo do que possuem, como o dinheiro, a capacidade técnica, sua capacidade esportiva, etc." Isso significa que os seres humanos participam de uma comunidade, não pelo que "possuem ou tem", mas pelo que são! Diversas comunidades podem estabelecer uma relação em sociedade, dividindo o produto daquilo que produzem e possuem. Para ajudar a pensar e praticar esses conceitos, podemos pensar em alguns exemplos: Um sujeito que ocupa um cargo importante com muito destaque, "tem"um status elevado.  As relações que estabelece se dão no patamar social, em função daquilo que "possui". Da mesma maneira podemos dizer que uma determinada pessoa  "é" um bom professor e por isso é reconhecida dessa forma e se associa com outros, através daquilo que "é" . Esses exemplos reforçam o pensamento de Marx sobre a conceituação de comunidade: "um tipo de vida em sociedade onde todos são chamados pelo nome". Em outras palavras, isso significa que a pessoa que é "chamada pelo nome", além de possuir um nome próprio e manter a sua individualidade e singularidade, tem a oportunidade de participar, manifestar seus pensamentos, de ser alguém. É a visão do ser humano como uma "pessoa = relação".

O tipo de "visão" que está dando sustentação a essa ideologia, é a "visão dinâmica", que considera que tudo é "relativo" e "aberto" - o oposto de absoluto e fechado, como já foi dito anteriormente. Essa visão supera em muito duas distorções reducionistas e inibidoras de um pleno desenvolvimento humano, que são muito comuns hoje em dia: 1) "o indiavidualismo grosseiro, fundamentado na filosofia liberal, que enxerga o ser humano isolado de todos, auto-suficiente, fechado sobre si mesmo, sempre em competição para poder sobreviver"; 2) "o pressuposto de um ser humano como a peça de uma máquina, parte de um todo, colocado a serviço do Estado ou de instituições burocráticas, anulado em sua subjetividade". A vida em comunidade permite que as pessoas tenham a possibilidade de superar esses dois extremos, mantendo sua singularidade, mas necessitando dos outros para a sua plena realização. Numa comunidade todos tem voz e vez, colocando em ação as suas iniciativas, desenvolvendo sua criatividade. Muito provavelmente as transformações que estão ocorrendo no mundo e estamos assistindo pela TV e internet, estavam a muito tempo latentes. De alguma maneira as pessoas passaram a exercer seu "poder" individual, compartilhando com outros seus medos, desejos e angústias. Aquilo que antes era um nó na garganta, transforma-se através da ação coletiva e compartilhada. A tecnologia possibilitou que um simples transeunte das ruas do Cairo fotografasse, filmasse e se comunicasse com outros transeuntes e também com o resto do mundo, mostrando sua indignação. Essa indignação foi compartilhada e teve sua âncora numa ideologia de libertação. Pelo menos dessa vez a tecnologia ocupou esse papel renovador, na minha opinião. Isso porque ela mesma (a tecnologia), está sendo posta a prova, nesse momento.

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