quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A Princesa Obstinada - FELIZ 2011!

"Um certo rei acreditava que o correto era o que lhe haviam ensinado e aquilo que pensava. Sob muitos aspectos era um homem justo, mas também uma pessoa de idéias limitadas.
Um dia reuniu suas três filhas e lhes disse:

- Tudo o que tenho é de vocês, ou será no futuro. Por meu intermédio vieram a este mundo. Minha vontade é o que determina o futuro de vocês três, e portanto o seu destino.

Obedientes e persuadidas da verdade enunciada pelo pai, duas das moças concordaram. Mas a terceira retrucou:

- Embora a minha posição me obrigue a acatar as leis, não posso acreditar que meu destino deva ser sempre determinado por suas opiniões.
- Isso é o que veremos - disse o rei.

Determinou que prendessem a jovem numa pequena cela, onde ela penou durante alguns anos. Enquanto isso o rei e suas duas filhas dilapidaram bem depressa as riquezas que de outro modo também seriam gastas com a proncesa prisioneira.
O rei disse para si mesmo:

"Essa moça está encarcerada não por vontade própria, mas sim pela minha. Isto vem provar, de maneira cabal para qualquer mentalidade lógica, que é a minha vontade e não a dela que está determinando seu destino."

Os habitantes do reino inteirados da situação de sua princesa, comentaram:

- Ela deve ter feito ou dito algo realmente grave para que um monarca, no qual não descobrimos nenhuma falha, trate assim a sua própria filha, semente viva de seu sangue.

Mas ainda não haviam chegado ao ponto de sentir a necessidade de contestar a pretensão do rei de ser sempre justo e correto em todos os seus atos.
De tempos em tempos o rei ia visitar a moça. Conquanto pálida e debilitada pelo longo encarceramento, ela se obstinava em sua atitude.
Finalmente a paciência do rei chegou ao seu derradeiro limite:

- Seu persistente desafio - disse a filha - só servirá para me aborrecer ainda mais, e aparentemente enfraquecerá meus direitos caso você permaneça em meus domínios. Eu poderia matá-la, mas sou magnânimo. Assim, me limitarei a desterrá-la para o deserto que faz a divisa com meu reino. É uma região inóspita, povoada somente por animais selvagens e proscritos excêntricos, incapazes de sobreviver em nossa sociedade racional. Ali logo descobrirá se pode levar outra existência diferente daquela vivida no seio da família; e se a encontrar, veremos se a prefirirá à que conheceu aqui.

O decreto real foi prontamente acatado, e a princesa conduzida a fronteira do reino. A moça logo se encontrou num território selvagem e que guardava uma semelhança mínima com o ambiente protetor em que havia crescido. Mas bem depressa ela percebeu que uma caverna podia servir de casa, que nozes e frutas provinham tanto de árvores como de pratos de ouro, que o calor provinha do sol. Aquela região tinha um clima e uma maneira de existir próprios.

"Aqui - murmurou para si própria a princesa desterrada - há uma vida cujos elementos se integram, formando uma unidade, mas nem individual ou coletivamente obedecem às ordens de meu pai, o rei."

Certo dia um viajante perdido, casualmente um homem muito rico e ilustre, encontrou a princesa exilada, enamorou-se dela e a levou para seu país, onde se casaram.
Passado algum tempo os dois decidiram voltar ao deserto, onde construíram uma enormne e próspera cidade. Ali, sua sabedoria, recursos próprios e sua fé se expandiram plenamente. Os "excêntricos" e outros banidos, muitos deles tidos como loucos, harmonizaram-se plena e proveitosamente com aquela existência de múltiplas facetas.
A cidade e a campina que a circundava se tornaram conhecidas em todo o mundo. Em pouco tempo eclipsara amplamente em progresso e beleza o reino do pai da princesa obstinada.
Por decisão unânime da população local, a princesa e seu marido foram escolhidos como soberanos daquele novo reino ideal.
Finalmente o pai da princesa obstinada resolveu conhecer de perto o estranho e misterioso lugar que brotara do antigo deserto, povoado, pelo menos em parte, por aquelas criaturas que ele e os que lhe faziam coro desprezavam.
Quando, de cabeça baixa, ele se acercou dos pés do trono onde o jovem casal estava sentado e ergueu seus olhos para encontrar os daquela soberana, cuja fama de justiça, prosperidade e discernimento superava em muito o seu renome, pôde captar as palavras murmuradas por sua filha:

- Como pode ver, pai, cada homem e cada mulher têm seu próprio destino e fazem sua própria escolha.

                                 -X-

Acredito que o natal e a véspera de ano novo seja um período que faz as pessoas ficarem mais sensíveis e abertas para o novo. Percebo que "se pede" mais coração e menos razão. Não quero "interpretar" isso nesse momento: primeiro porque não tenho vontade; segundo porque também percebo esse desejo em mim, talvez até mais do que nas pessoas...  Talvez seja por essa razão que nas últimas semanas, ao invés de textos mais técnicos e filosóficos, postei três contos de fada que, junto com outros materiais, me serviram como fonte de inspiração para o trabalho que desenvolvo com grupos em meu consultório. Acho que foi a forma que encontrei para enviar mensagens carregadas de significado, mas de uma maneira lúdica e menos racional.
Desejo a todos um ano novo cheio de criatividade, espontaneidade, magia, aventura, bom-humor, saúde, garra e muita "obstinação"! Que todos nós possamos identificar no fundo de nossos corações, os conteúdos e sonhos verdadeiros, capazes de dar luz e sentido a existência, tornando-nos mais íntegros, saudáveis e felizes. 

Entro em férias pelos próximos 20 dias e volto a postar semanalmente nesse blog, em 21/01/2011.

("A Princesa Obstinada" - Histórias da Tradição Sufi - Rio de Janeiro - 1993 - Edições Dervish, página 99.).

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O Homem mais feliz do mundo

"Um homem que vivia numa situação bastante confortável foi um dia visitar um sábio que tinha fama de possuir grandes conhecimentos.

- Grande sábio - disse ele, - não tenho problemas materiais. Contudo não estou satisfeito. Durante anos tenho procurado ser feliz, encontrar uma resposta para meus pensamentos, estar em paz com o mundo. Por favor, aconselhe-me: como posso curar-me desse mal?
- Meu amigo - respondeu-lhe o sábio, - o que está oculto para uns é evidente para outros, o que é evidente para uns está oculto para outros. Tenho a solução para o seu mal, embora não seja um remédio comum. Você deve viajar a procura do homem mais feliz do mundo. Quando encontrar deve pedir sua camisa e vesti-la.

Incansável, aquele buscador começou a procurar homens felizes. Um por um, econtrou-os e interrogou-os. Todos disseram:

- Sim, sou feliz, mas há alguém mais feliz do que eu.

Depois de viajar de país em país, por muitos e muitos dias, chegou a um bosque onde, diziam, vivia o homem mais feliz do mundo. Ouviu o som de uma risada através das árvores e apressou o passo até chegar perto de um homem que estava sentado numa clareira.

- Você é o homem mais feliz do mundo, como dizem? - perguntou-lhe.
- Sou com certeza - disse-lhe o homem.
- Meu nome e minha condição são tais e tais. Meu remédio receitado pelo melhor sábio, é usar a sua camisa. Por favor, poderia dá-la para mim? Em troca lhe darei tudo o que possuo.

O homem mais feliz do mundo olhou-o bem de perto e riu. Riu e riu.
Quando o homem se acalmou um pouco, o inquieto viajante, um tanto aborrecido com sua reação, disse:

- Você deve estar fora de seu juízo para rir de um pedido tão sério.
- Quem sabe? - disse o homem feliz. - Mas se você apenas tivesse tido o trabalho de olhar teria visto que não possuo camisa alguma.
- E agora, que faço então?
- Agora você ficará curado. Esforçar-se por alguma coisa inatingível predispõe a prática de conseguir o que é necessário, como quando um homem reúne todas as suas forças para saltar sobre um rio como se fosse mais largo do que realmente é. Certamente ele atravessa esse rio.

Então o homem mais feliz do mundo tirou o turbante cuja ponta escondia o seu rosto. O homem inquieto viu que ele não era outro senão o grande sábio que o tinha aconselhado no início.

- Por que não me disse isso quando fui procurá-lo a tantos anos? - perguntou o viajante, desconcertado.
- Porque naquela época você não estava pronto para compreender. Precisava de certas experiências, e elas tinham que lhe ser proporcionadas de um modo que garantisse que você passaria por elas."

                                     -X-

Desejo a todos um feliz natal cheio de alegria, de aventuras, de curiosidade com a vida e com as coisas, de energia para enfrentar os obstáculos e tudo isso com muita saúde. Que todos nós passemos pelas experiências que forem necessárias para nos deixar "prontos" para a felicidade plena, com coragem e com bom humor.

("O Homem mais feliz do mundo" - Histórias da Tradição Sufi - Rio de Janeiro - 1993 - Edições Dervish, página 185.).

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A Lenda das Areias - A história da trajetória de um rio, que nos faz pensar na vida

"Vindo desde as suas origens nas distantes montanhas e após passar por inúmeros acidentes de terreno nas regiões campestres, um rio finalmente alcançou as areias do deserto. E do mesmo modo como vencera as outras barreiras o rio tentou atravessar esta de agora, mas se deu conta de que mal suas águas tocavam a areia, nela desapareciam.
Estava convicto, no entanto, de que fazia parte de seu destino cruzar aquele deserto, embora não conseguisse fazê-lo. Então uma voz misteriosa, saída do próprio deserto arenoso, sussurrou:


- O vento cruza o deserto, o mesmo pode fazer o rio.


O rio objetou estar se arremessando contra as areias, sendo assim absorvido, enquanto o vento podia voar, conseguindo dessa maneira atravessar o deserto.


- Arrojando-se com violência como vem fazendo não conseguirá cruzá-lo. Assim desaparecerá ou se transformará num pântano. Deve permitir que o vento o conduza a seu destino - disseram as areias.
- Mas como isso pode acontecer?
- Consentindo em ser absorvido pelo vento.


Tal sugestão não era aceitável para o rio. Afinal de contas, ele nunca fora absorvido até então. Não desejava perder a sua individualidade. Uma vez a tendo perdido, como se poderá saber se a recuperaria mais tarde?


- O vento desempenha essa função - disseram as areias.
- Eleva a água, a conduz por sobre o deserto e depois a deixa cair. Caindo na forma de chuva, a água novamente se converte num rio.
- Como é que posso saber que isto é verdade?
- Pois assim é, e se não acredita não se tornará outra coisa senão um pântano, e ainda isto levaria muitos e muitos anos; e um pântano não é certamente a mesma coisa que um rio.
- Mas não posso continuar sendo o mesmo rio que sou agora?
- Você não pode, em caso algum, permanecer assim - retrucou a voz. - Sua parte essencial é transportada e forma um rio novamente. Você é chamado assim ainda hoje por não saber qual é a sua parte essencial.


Ao ouvir tais palavras, certos ecos começaram a ressoar nos pensamentos mais profundos do rio. Recordou vagamente um estágio em que ele, ou uma parte dele, não sabia qual, fora transportada nos braços do vento. Também se lembrou, ou lhe pareceu assim, de que era isso o que deveria fazer, conquanto não fosse a coisa mais natural.
Então o rio elevou seus vapores nos acolhedores braços do vento, que suave e facilmente o conduziu para o alto e para bem longe, deixando-o cair suavemente tão logo tinham alcançado o topo de uma montanha, milhas e milhas mais longe. E porque tivera as suas dúvidas o rio pôde recordar e gravar com mais firmeza em sua mente, os detalhes daquela sua experiência. E ponderou:


- Sim, agora conheço a minha verdadeira identidade.

O rio estava fazendo o seu aprendizado, mas as areias sussurraram:

- Nós temos o conhecimento porque vemos essa operação ocorrer dia após dia, e porque nós, areias, nos estendemos por todo o caminho que vai desde as margens do rio, até a montanha.

É por isso que se diz que o caminho pelo qual o Rio da Vida tem que seguir em sua travessia, está escrito nas areias."

                                                                        -X-

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O Poder Invisível

Recentemente estive relendo e estudando uma série de atendimentos familiares realizados nos últimos anos, tanto por mim como por colegas ou por relatos em livros e textos de estudos de caso. Na imensa maioria dos casos,as queixas iniciais tinham um traço muito comum: a) pais autoritários/ausentes e  b) mães mártires que ficaram com a responsabilidade de garantir a sobrevivência moral e econômica da família. É surpreendente a incrível semelhança que a maior parte desses atendimentos tinham em comum: homens com um forte perfil machista, praticamente ausentes do processo familiar (até mesmo das sessões de psicoterapia) e, mulheres abnegadas e determinadas a fazer de tudo para superar os obstáculos enfrentados por sua família. O obstáculo maior: o autoritarismo e a ausência paternas, tanto no sentido econômico como no sentido moral e afetivo. Isso significava que no início do processo terapêutico, a família buscava por ajuda para vencer o grande mal representado pelo papel masculino. Quando digo a família, quero dizer "mãe e filhos". Mas em boa parte dos casos, quando o processo de terapia começava a se aproximar da revelação do drama, surgiam evidências de que um outro poder também atuava negativamente sobre a família, alem do poder machista e autoritário representado pela figura paterna. Um poder que era invisível, mas que também era controlador, autoritário e até mesmo, violento: o poder materno. São muitos os exemplos que poderia dar, mas me lembro de um caso em que um filho mais velho de 17 anos apresentava grande dificuldade em conseguir amigos com a mesma idade. Era muito tímido e só conseguia se relacionar com meninos muito mais novos que ele. Também pairavam suspeitas sobre sua sexualidade, uma vez que nunca tinha apresentado ou comentado sobre a existência de alguma namorada. Nas queixas iniciais o pai aparecia como o grande responsável pelo comportamento embotado do garoto. Isso porque sempre se dirigia a ele (quando se dirigia...) de forma agressiva e violenta, acusando-o de incapaz e efeminado. No desenvolvimento do processo da terapia, durante uma dramatização do cotidiano da família, revelou-se que o rapaz dormia na mesma cama da mãe, no lugar de seu pai, que trabalhava até altas horas da madrugada. Permitir que seu filho adolescente dormisse na mesma cama, era uma forma de lhe transmitir um carinho que ele não podia contar através de seu pai. Esse era um comportamento tido como normal e corriqueiro na família, inclusive pelo próprio pai. Sem perceber e sem se dar conta, acabou assumindo um papel impossível de ser representado: o de substituto de seu pai e de "salvador" de sua pobre mãe. Suas questões pessoais e biológicas foram totalmente relevadas. Não é difícil perceber que um rapaz de 17 anos não pode ter ereções e nenhuma expressão sexual, dormindo ao lado da própria mãe. É mais fácil se infantilizar para conseguir sobreviver a isso. No entanto, a queixa que persistiu e que se tornou mais evidente, foi a queixa do pai autoritário/ausente, que ajia com truculência.

O autoritarismo masculino presente historicamente na estrutura familar, tem contribuído para camuflar um poder invisível e dissimulado da figura materna. A figura de um pai autoritário/ausente, serve como referência negativa e como bode espiatório para a maior parte dos problemas estruturais de uma família. É comum escutarmos queixas que apontam para a responsabilidade paterna em relação aos problemas da família. Queixas que são reforçadas e fundamentadas pelo autoritarismo, pelo machismo e muitas vezes por um comportamento até mesmo violento. Ao mesmo tempo em que essa imagem terrível do masculino se reforça, uma outra imagem feminina de abnegação e dedicação heróica, irradia sua presença no espaço familiar. Essa irradiação ocupa totalmente o espaço, se amoldando, se instalando e cristalizando sua presença no espaço interno de cada membro da família. Uma presença que se reforça por um ideário da mãe-martir/dominadora. Surge de forma camuflada e mascarada, o poder materno. Esse domínio se estabelece pelas sombras, uma vez que o reconhecimento formal do "chefe-da-casa" tem sido historicamente destinado ao papel paterno. Socialmente essa tem sido a única forma do feminino se estabelecer e ser aceito formalmente. Obviamente esse modelo se encaixa mais perfeitamente nas gerações de nossos pais. Um dos grandes problemas é que esses papéis ainda se mantém intactos, mesmo depois da indiscutível emancipação feminina.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Um Drama Familiar Contemporâneo - A transmissão e perpetuação de papéis

A evolução tecnológica tem provocado um fenômeno sócio-econômico que é motivo de aflição para muitas famílias. As máquinas e os computadores estão ocupando os postos de trabalho no lugar das pessoas. Podemos ter uma rápida constatação deste fenômeno quando somos obrigados a fazer qualquer coisa em uma agência bancária. Isso para os raros casos em que não podemos resolver problemas pela internet, no conforto do escritório ou de casa . Em uma agência bancária, quase tudo pode ser feito através de caixas eletrônicos, dispensando a necessidade de atendentes. Me lembro de um trabalho que participei como consultor, realizado em uma pequena indústria de portas e janelas de ferro no interior de Goiás. O dono daquela pequena indústria havia acabado de realizar um investimento em máquinas modernas, que ocupavam metade de sua fábrica. Na outra metade havia mantido o modo de produção original, onde todas as atividades eram realizadas por funcionários e ferramentas antigas. A diferença era absurda! A parte da fábrica que funcionava com as máquinas modernas produzia simplesmente dez vezes mais, por muito menos da metade do custo da outra parte, que mantinha os funcionários trabalhando da maneira antiga. Era apenas uma questão de tempo para que o dono dessa pequena indústria conseguisse financiar mais máquinas modernas e, demitisse a maior parte dos funcionários que ainda restavam na produção. Sabemos que hoje em dia, cada vez mais existem menos empregos, em função do avanço tecnológico inexorável. Essa é uma verdade indiscutível e é uma das grandes questões sócio-econômicas a serem enfrentadas pelo mundo contemporâneo, tanto do ponto de vista dos meios de produção, quanto do ponto de vista dos reflexos dessa transformação na psique e na saúde.
De um modo geral, ao verificarmos listagens de cargos e salários de grandes empresas, infelizmente ainda se pode verificar que existe uma distinção sócio-econômica entre homens e mulheres. Mulheres que ocupam os mesmos cargos que homens, embora realizem as mesmas funções e atividades, possuem um salário menor. Essa é a peça que faltava para a montagem de um drama contemporâneo: Os poucos postos de trabalho disponíveis são normalmente preenchidos por mulheres, em função de seus salários serem menores e mais vantajosos para os empregadores. Com isso é muito comum hoje em dia, verificarmos haver um grande número de homens desempregados, sendo sustentados por suas esposas ou companheiras. Homens em casa, com poucas perspectivas e fora do modelo de produção oficial e, mulheres fora de casa, trabalhando e participando do modelo de produção oficial. Esse cenário tem sido um terreno fértil para o surgimento de quadros de depressão, ansiedade e muita desarmonia na família, tanto para homens como para mulheres.

A família possui uma matriz sociométrica e sociodinâmica poderosa, que embora já tenha se modificado externamente e socialmente com os avanços e conquistas da mulher (avanços inquestionáveis), em seu imaginário interno, essa matriz ainda permanece quase que intocada: O homem como chefe da casa e o responsável oficial pelo provimento da família e, a mulher como dona-de-casa e responsável pela manutenção do lar. Um drama antigo que apresentava um homem orgulhoso, cego e ausente na educação dos filhos, devido sua posição oficialmente superior. Uma mulher mártire que praticamente educava sozinha seus filhos, alem de lidar com todas as responsabilidades do dia-a-dia da casa, sem ter com isso, nenhum reconhecimento oficial. No primeiro caso a atuação masculina é recheada de símbolos heróicos e de conquistas, reconhecidas pela ordem estabelecida. Já a mulher era associada ao trabalho braçal da casa: lavar, passar, arrumar, manter a ordem, etc. Um papel relegado pela ordem oficial estabelecida. Trata-se de um "drama familiar" que já existia a um bom tempo e que foi incrementado por uma incrível inversão de papéis. Uma inversão de papéis circunstancial que não modificou e transformou o drama! Internamente os homens continuam buscando cumprir seu papel de provedores e heróis, mas não conseguem o espaço social para a realização dessa fantasia. Ao mesmo tempo as mulheres continuam tentando se libertar da tirania masculina, embora já não dependam mais  economicamente de seus maridos. Pois bem, isso significa que homens e mulheres ainda permanecem atrelados ao mesmo drama anterior, com o incrível reforço dos mesmos papéis de sempre: A mulher teve exacerbado seu papel de mãe-mártire, agora reconhecido e reforçado socialmente pelos meios de produção formal (trabalha o dia inteiro e ainda realiza as tarefas da casa). O sentimento de repulsa à histórica tirania masculina reconhecida por um autoritarismo visível, contundente e, às vezes, até mesmo violento da figura paterna, permanece e torna-se bode espiatório de todos os males. É muito comum hoje em dia ouvirmos histórias familiares com esta, em que a mulher que trabalha e sustenta sua família ainda aparece como mártire, repetindo um papel que aprendeu com sua mãe, que aprendeu com a mãe dela, que apredeu com a mãe dela, etc.
Já o homem veste esta carapuça e ao invés de procurar representar novos papéis transformadores, gasta seu tempo e sua energia tentando reconquistar o território perdido. Isso significa que muitas vezes continua ausente na família, com a desculpa de que continua sendo o chefe da casa, mesmo estando fora da produção formal. Sem perceber muito bem, agora representa o papel de um chefe de família fracassado. Um papel que traz sofrimento para si e para os que estão a sua volta, produzindo doença, discórdia e depressão.
Pretendo continuar com esse assunto em meu próximo texto, falando do poder materno.